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Jennifer apenas fica ali, completamente estática, poucas horas depois, sem se perguntar por que todos encaravam o carro do Sr. Saint com aquelas expressões, sem se perguntar por que haviam tantas luzes, tantas vozes e tantos ruídos. Por que uma sirene insistente e repetitiva ecoava agora impregnada para a eternidade em suas memórias.Sentiu algo em seu ombro; era Berlie, com a expressão mais real que já vira aquela face cínica exprimir.
Os olhos agudos agora arregalados, fixados na poça de sangue vermelho escuro que se estendia no jardim. Uma poça centrada, quase circular, rodeada de fitas amarelas e pés calçados em sapato social. Jennifer sentiu o peito inflar, se enchendo de voz para um grito ou um pranto, ou os dois, porém, nada saiu. Ficou ali, entalado na garganta. Uma bolota que coçava, remexia como algo vívido.
Seu corpo ainda parecia amortecido, sua mente desperta e visualiza rostos conhecidos distorcidos pela dor.
Pensa em dar um passo adiante, porém seu cérebro não estava conectado à seu corpo naquele instante; via a tudo, sentia, mas de alguma forma, não conseguia sair do lugar.
__ O quê?! Quem está lá? Quem está lá, mãe?__ uma voz alterada se sobressai.
Agoniada, perdida no caos de gente e ruídos, Bárbara tenta chegar até o jardim, temendo o pior, visivelmente pela cor vívida de sua pele de porcelana.
O rosto vermelho, os olhos azuis em combustão. Numa fúria que não deixaria ninguém lhe impedir de compreender o que diabos acontecia; os saltos ecoam, cada passo mais rápido, e mais rápido...
Tec tec tec.. Até sanarem. Abruptamente. Um baque fundo, como o toque único de um tambor, acompanhado de um grito de um profundo terror, intenso e triste.
Seus joelhos desceram ao chão em poucos segundos, assim como as mãos, tapando inconscientemente a boca, mesmo que não abafasse uma mínima parcela de seus soluços. Estava trêmula, dizendo coisas, incompreensíveis, negações, mesmo após Mariza lhe rodear acolhedora em seus braços, demorou minutos até que se levantasse dali.
Jennifer que ainda não soltara aquele pranto em carne viva, desvia o olhar; se sentia horrível por ser a única a não chorar, a única a estar pressa nas garras das últimas horas que aquele cadáver teve em vida. Seu cérebro não aceitava que estava ali.
Apertou os olhos, porém, nada. Seu corpo rígido parecia ter se metamorfoseado em pedra, até mesmo Berlie parecia incapaz de conter alguns filetes silenciosos de lágrimas, até mesmo a pessoa que lhe disse com todas as palavras que...
Era injusto. Era cruel. Apertou ainda mais os braços delicados contra o corpo, desejando com todas as forças que Gabriel aparecesse por aquela porta e a levasse para longe.
Percebeu os olhos de Bárbara em si, e viu uma frieza que lhe fizera encolher o corpo, lhe fez sentir vergonha.
"Por que não está chorando? Por quê? Por quê? Por quê?!!"
Gritava no silêncio de seu mar verde e turbulento.
Queria correr, fugir, sem saber pra onde ou porquê; não havia feito nada de errado, então por que sentia como se tivesse?
Deu um passo pra trás, recuava, fazendo seu corpo a responder, nem que fosse pelo medo ou desejo de desaparecer. Não queria ver mais nada, odiava aquele dia, odiava ter que lembrar tão claramente daquele rosto pálido há pouco tempo recheado de vida.
*
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De repente era engolido numa noite sinistra e gélida. Raph não se pegou desviando o olhar mais um segundo sequer, porém tremia de um frio severo, encravado na alma, o suficiente para ter a desculpa perfeita para fugir dali.
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Entre Nós e a Fagulha;
Genel KurguEstava ali; num curso imaginário, tão singelo quanto o real. Entre as nuvens carregadas pela tempestade, ele caminhou lentamente, sob o céu cobrindo toda a terra de solidão. Memórias de uma despedida silenciosa, translúcida, pairando no ar, passagei...