Capítulo Vinte e Três

45 4 0
                                    

 — Lucia Quinzel! Não adianta se esconder! — Um grito masculino ressoou pelas estantes. Uma revoada de passos e murmúrios o seguindo. Alguns risos, alguns escarros.

Quinzel, Quinzel, Quinzel. O sobrenome flutuava sobre sua cabeça, a deixando ainda mais embaralhada. Sentia ânsia de vômito, os nervos duros como fios de cobre sob a pele.

— Ei, ei. olha pra mim. — Damian tentou falar, mas sem fazer som, apenas gesticulando. — Aqui, pra mim, assim. — Ele segurou as bochechas dela. As mãos dele eram frias e ele parecia assombrosamente calmo. — Vamos sair daqui. Respire, levante e segure firme em mim. Tudo bem?

A garota apenas acedeu. Ela agarrou o braço rígido dele, sentindo como se o garoto fosse uma boia no meio do oceano. As vozes de sua cabeça ecoavam a cada passo, e ela não conseguia mais distinguir se os sons eram reais ou não. Se estavam próximos ou não.

Damian passou um braço pela cintura de Lucia e a levantou, deixando ela apoiar parte do peso nele. A garota estava pálida e trêmula, com os olhos esbugalhados. Começaram a se locomover, meio curvados, pelas estantes. Tinha muitas pessoas na biblioteca. Pelos sons de passos ele tinha calculado pelo menos uma dúzia, mas podiam ter mais. Com Lucia, ele era mais lento e seus movimentos estavam limitados, então todos os seus passos precisavam ser muito bem calculados.

Aos poucos, foram passando pelas estantes, em direção ao fundo da biblioteca. Se conseguissem pular uma janela, conseguiriam fugir. Ao curvar a última estante, porém, foi surpreendido com um som muito alto. Alguém havia atirado na estante ao seu lado. O corpo de Lucia se tenciona ainda mais e ele tentou virar para ver o rosto do indivíduo.

Como de praxe, os Robins estavam usando uma máscara branca, mais parecida com o rosto de um pássaro. Um tordo.

Esse Robin em particular era alto, largo, e cabelos ruivos pareciam escapar de sua máscara para todos os lados, como a juba de um leão. Ele apontava uma espingarda para eles, suas mãos gigantescas fazendo a arma parecer um brinquedo. Ele pareceu hesitar por um instante, olhando para Damian, antes de soltar uma risada horrorosa.

— Ei, pessoal. Olha só quem eu encontrei.

Damian, com uma força anormal, puxa Lucia, se colocando entre ela e o agressor.

— Vá para a janela, agora!

— Mas...

— Vá! — Ele grita com os dentes cerrados — Eu me viro aqui.

E, com mais um empurrão firme, ele solta seu braço do dela.

Lucia corre para o fundo da sala e vê uma grande janela, no topo de uma parede com pé direito gigantesco, e, à sua frente, uma estante comicamente longa, de madeira fina patética. Ela engole em seco, coloca o livro da mãe na bolsa e ajusta a alça no ombro. Depois, começa a escalar, lentamente, uma estante. Sente o móvel gemer sob seu peso e ouve os livros caindo no chão conforme ela os chuta sem querer das prateleiras. Ainda assim, continua a subir, sem olhar para o chão. Sons de luta ressoam as suas costas, com estalos de tiros que fazem sua pele se arrepiar, mas, mesmo assim, não hesita. Quando finalmente alcança a janela, a empurra com força.

Nada acontece.

Tenta mais uma vez, desesperada, mas o movimento frenético faz a estante cambalear. Ela dá um gritinho, se agarrando à moldura da janela, fechando os olhos com força.

Damian, por sua vez, está em uma luta corporal com o gigantesco Robin. Eles rolam no chão acarpetado e empoeirado, batendo nas estantes e derrubando livros, a espingarda na vertical entre eles. Aquele ser ela imenso, forte como um urso. Mesmo assim, o jovem o segurava com habilidade, tentando ganhar tempo para Lucia fugir.

Isso é, até se distrair com o som do grito dela. O gigante encontrou uma abertura na reação dele, conseguindo o chutar com força no estômago, o fazendo voar. Damian bateu no carpete, o impacto criando um machucado por atrito em sua pele. Rapidamente, ele se levantou, jogando-se para o lado a tempo de fugir de mais um tiro. Merda. Que descuido amador. Seu pai ficaria furioso.

Com habilidade, escalou a estante e, em menos de um momento, se atirou novamente nas costas do Robin, que urrou e girou tentando arrancar o jovem. Damian, então, enfiou as unhas na máscara do homem, os dedos entrando nos buracos dos olhos. O homem gritou mais uma vez, largando a arma para agarrar o menino e o atirar para longe. Ele já havia conseguido agarrar os ombros da blusa do jovem quando ouviu um som seco de engatilhar de espingarda.

Lucia estava parada, com a espingarda em mão, apontando para os dois.

— Atira! Lucia! Atira logo! — Damian ralhou.

Ele olhou nos olhos da garota. Ela estava chorando, trêmula, mas segurava a arma perfeitamente. Ele viu ela respirar fundo, fechar os dois olhos e disparar.

Para cima.

Muito para cima do Robin e de Damian.

O homem aproveitou o erro dela e atirou o menino em sua direção vorazmente, derrubando os dois. Ele se aproximou rapidamente, tomando posse de sua espingarda mais uma vez e deu uma risada de escárnio. Damian e Lucia estavam caídos no chão quando ele mirou a arma para eles, e Lucia conseguiu usar o resto de suas forças para se colocar sobre Damian, o protegendo da bala.

Robin apertou o gatilho.

A Filha Do CoringaOnde histórias criam vida. Descubra agora