Capítulo Treze

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Harley Quinzel estava amarrada a uma cama de metal, o colchão fino, velho e apodrecido. Ela se debatia, contorcia, mas, mais que tudo, ria. Gargalhava. Os pulsos e calcanhares estavam gravemente feridos, marcados, vermelhos.

Lucia teve que desviar o olhar por um momento. Aquela era ela. Arlequina. Que assombrava suas manhãs e a perseguia em seus sonhos.

Sua mãe.

Ela estava velha, com o corpo flácido, pele enrugada e cabelos brancos, mas definitivamente era ela. A risada, mesmo que não pudesse ser ouvida, ressoava dentro da menina, como ondas em uma encosta.

— O que é aquilo? — Damian perguntou com desgosto e Lucia acompanhou seu olhar.

Na parede oposta à de Harley, um monte de purê de batata estava moldado no formato de um ser humano. No rosto grotesco da coisa, um sorriso vermelho marcado com sangue.

— Aquilo ela chama de "Pudinzinho" — O médico disse, parecendo cansado. Ele tirou e limpou os óculos no avental. — Tentamos tirar de lá, mas ela piora drasticamente toda vez que nos aproximamos da coisa.

— Hm... e aquilo? —Lucia falou baixinho e apontou para a parede oposta à da janela.

Na parede branca de tecido, um escrito enorme em vermelho. "O SOLDADO, A POETA E O REI"

— Não temos certeza ainda do que aquilo representa. Temos fortes indícios que o "REI" está relacionado com o título do seu ex-marido, o "rei palhaço do crime", mas os outros...

Lucia engoliu em seco, apertando ainda mais a bolsa ao seu lado. Bolsa essa onde se localizava o diário do irmão, que, muitos anos antes, era seu próprio caderno de poesia.

Ela sentiu o estômago se revirar e pegou levemente na mão de Damian. Normalmente ele a afastaria de imediato, mas notou algo macabro em sua expressão. Ele segurou a mão dela propriamente e a apertou de leve, o que a fez se sentir melhor.

— Queremos falar com ela. — Damian expôs. No peito de Lucia, seu coração quase explodiu.

A cabeça de Lúcia estava enevoada agora, dolorida, e sua pele suava sob o manto negro. Quando o médico destrancou e abriu a porta e o cheiro de batatas podres invadiu suas narinas, ela sentiu que ia vomitar. Seguiu o jovem Wayne para o quarto, encolhendo-se ainda mais.

A risada era ensurdecedora. Fina, alta, desesperada. Sem ar, sem fôlego. Insana.

Ela olhou para os recém chegados, os olhos azuis cristalinos demorando para focar.

— Olha só, olha só. Quem veio nos visitar, senhor C. — Ela sorriu abertamente. — O médico de espadas e dois outros garotinhos! E olha! Olha, senhor C, olha os olhinhos deles. Estão apavorados!

— Eu não tenho medo de você. — Damian cuspiu, o que fez Harley rir ainda mais.

— Ah, mas aquela ali tem, não é amor? — Indicou Lucia, que engoliu em seco. — Tão pequenininha, tão fofinha, parece até uma...

Mas então ela parou.

Harley, que até agora nutria um sorriso enorme, hesitou. Seus lábios começaram a se abaixar, o sorriso começou a sumir. E foi como se algo se rompesse dentro dela, como se algo se quebrasse. Começou a se debater mais forte.

—Elaelaelaelaelaelaela... — murmurou baixinho no início. A névoa de seus olhos se esvaiu por um momento. — É ELA, É ELA! ELA MATOU MEU PUDINZINHO!

O médico, já gritando no corredor por reforços, deu um passo longo para trás. Isso nunca tinha acontecido antes, os remédios dados a ela poderiam dopar um cavalo. Damian, por sua vez, puxou Lucia para suas costas, a protegendo, mas Lucia não podia evitar os olhos da mãe. Nunca pôde. Eles sempre foram bonitos demais, tristes demais, e, agora, reais demais.

Então uma das cordas estourou. Harley se ergueu e esticou o braço, as mãos sujas de vermelho, ávida para agarrar a menina. Para sentir a garganta quente em suas palmas. O sangue palhaço pulsando em suas veias.

— GUARDAS! GUARDAS! ELA MATOU, ELA MATOU O PURÊ! — A mulher berrava agora, lágrimas começando a escorrer. — Ela matou o meu bebê, ela matou o meu bebê... Ela massacrou... — Começou a soluçar tão forte que as palavras se perderam.

— Onde está Luca Quinzel? — Damian perguntou, a voz calma, controlada e extremamente fria.

—Eu não gosto dela... uma menina levada! Uma menina ruim! — Balbuciou — Meu pudinzinho... porquê? — Ela fungou profundamente.

Uma dezena de enfermeiros invadiram o quarto, rápidos como uma flecha. Eles se jogaram sobre Harley, que lutava. "Porquê? Tão sério, porquê?..." começou a balbuciar assim que os remédios foram injetados em suas veias. Ela cedeu, caindo deitada na cama, a cabeça em um ângulo estranho para que pudesse ver a garota uma última vez.

— Ei? — Ela riu levemente. A voz fraca, infantil. O olhar enevoado novamente — Conta... uma história... de ninar? — Sua voz foi ficando cada vez mais gentil, até que ela suspirou um último — Por favor? — e finalmente se rendeu a inconsciência. 

A Filha Do CoringaOnde histórias criam vida. Descubra agora