Capítulo 4

263 68 541
                                    


Soen sabia que a morte negra estava se espalhando muito mais rápido nas cidades pobres e imundas, onde os camponeses não tinham qualquer higiene e doenças se proliferavam como coelhos em granjas. Era questão de raciocínio.

E, também pensando racionalmente, muitos corpos para enterrar resultaria em pouco espaço para tantos cadáveres. Era óbvio, então, que os rebeldes de Forgent estariam despejando os corpos em algum lugar fora dos muros para evitar o mal cheiro e a contaminação da doença.

Para encontrá-los, bastava que os soldados seguissem os grunidos dos abutres e o grasnado dos corvos que se banqueteavam com os corpos em decomposição.

Os homens, entretanto, estavam borrando as calças pelo medo que a doença causava. Mas Soen fez questão de usar o argumento mais irrefutável de todos para os tolos: a fé.

A falta de lógica, afinal, era a melhor das armas para guiar um exército obedientemente rumo ao suicídio. A promessa de que seriam poupados, se realmente acreditassem em Deus e sua salvação, ou mesmo de que iriam para um lugar melhor caso perecessem. Apenas aquilo bastava.

E os homens, tolos e sem opções, se forçavam a acreditar.

Por isso, depois que o belo discurso vazio de Soen sobre Deus e seus planos que os guiavam, assim como a mentira de que aquela artimanha veio à ele através de uma visão Dele, que explicava sobre como a morte negra era feita para matar os hereges e como deveríam usá-la, os soldados concordaram furiosamente, então rezaram e partiram em meio à escuridão, buscando os corpos infectados.

Quanto a Soen? Bem, ele ficou para trás, com meia dúzia de homens encarando o saco jogado por cima de seus ombros que se mexia ocasionalmente. Afinal, havia algo mais importante a se fazer.

A muralha de Forgent estava sendo constantemente vigiada pelos servos do Diabo. Então como, em suma, os soldados emprestados de Soen conseguiriam uma brecha para cumprirem sua missão? Bem, com o Yen-gato mau humorado ao seu lado, ele cuidaria disso pessoalmente.

Yen era um gato branco e chamativo. No entanto, quando coberto pelo barulho dos insetos e com o manto daquela noite escura em seu auxílio, ele poderia facilmente se esgueirar em volta da muralha, localizando uma brecha para Soen.

Além disso, mesmo que fosse pego, era de se esperar que os pagões não cumpririam a ordem do Papa em relação ao extermínio dos gatos.

Ele demorou três horas para voltar, com sua respiração felina acelerada pela corrida de volta e a pelagem suja com a lama do solo úmido.

"A quase duas horas, na direção oeste", disse Yen, e Soen sorriu.

Ele enfiou o corpinho felino de seu primo novamente em seu esconderijo fedorento e o jogou sobre os ombros, então voltou para o local onde os seis homens restantes aguardavam, mandando que indicassem as coordenadas aos soldados que buscavam os corpos.

Então, com uma espada longa na bainha, uma mais curta na mão e duas adagas nas botas, seguiu pelo caminho escuro em silêncio até encontrar o local indicado por Yen.

Como Yenned havia relatado, não haviam arqueiros vigiando aquela parte da pequena muralha improvisada de Forgent, mas sim um singelo grupo de vigias em um portão lateral, que se encontrava escondido em um terreno muito íngreme para que qualquer exército ousasse tentar atacá-lo, mesmo que descobrissem sobre o local.

Era um pouco frustrante, no entanto, o quão fácil seria para um homem sozinho invadir.

Soen não tinha luz, mas eles tinham. O que, no fim das contas, facilitava as coisas para o herdeiro do trono.

Labe MortemOnde histórias criam vida. Descubra agora