Capítulo 26

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"Olhe nos olhos dele", disse Yen, sua cauda branca e volumosa serpenteando repetidamente ao lado do corpo de Alexander. "O que você vê?"

O dia estava amanhecendo àquela altura, a luz dourada do sol nascente adentrando as janelas dos aposentos de Soen ao passo em que seu olhar escuro absolvia qualquer vestígio dos raios solares.

Yenned e Sebastian, por outro lado, captavam a iluminação como se suas íris fossem feitas de cristais fragmentados, causando um efeito vítreo no azul cinzento de Yen enquanto púrpura cintilava sob os cílios entreabertos de seu irmão, que gemia de dor na mesma frequência com a qual seu peito subia e descia.

Sebastian havia se sentado contra a parede e, sem ajuda, feito com a manga da camisa um curativo improvisado no punho, apesar das costelas quebradas e da perda excessiva de sangue terem dificultado o trabalho. Ainda sim, sua capacidade de resmungar e estancar sangramentos levava Soen a crer que bateu demasiado pouco nele. Não havia sequer algum ferimento potencialmente letal.

A não ser, talvez, a longa ferida em sua coxa.

E quem sabe aquelas costelas quebradas.

Ou ainda aquele corte no pulso.

E também o retalho profundo no ombro.

De qualquer maneira, Sebastian levara um longo momento se recompondo o suficiente para respirar sem que seus pulmões entrassem em colapso. Depois disso, ele precisou de ainda mais tempo para compreender que o gato branco e falante ao lado de Soen não era ninguém menos do que Yenned Vineyard, seu irmão mais novo.

— Como isso pode ser possível? — ele exclamou por dezenas de vezes. — Yen parecia perfeitamente normal na última vez que nos encontramos, como algo assim pode ter acontecido?

— Você viu Alexander Blackthorn subir aos céus com um anjo após quase matá-lo no esquema do Conselheiro do Rei, que era secretamente um praticante de feitiçaria — Soen retrucava em todas as ocasiões, indicando o corpo de seu irmão de maneira expressiva. — E agora acabou de finalmente cumprir a vontade de Garon. Não deve ser tão difícil aceitar que Yen foi amaldiçoado e abençoado ao mesmo tempo, se tornando assim um gato capaz de ler mentes. Isso não soa bíblico? Vou exigir que acrescentem uma passagem sobre isso em coríntios quando me tornar rei.

Soen voltou sua atenção para Alec, o que foi uma má ideia. Ver o cadáver miserável de seu irmão, os cabelos loiros caídos em meio ao sangue e os olhos vazios, tão diferentes do que já foram um dia, fazia-o querer sacar a espada e terminar as coisas com Sebastian.

— Eu vejo a merda do meu irmão morto — ele respondeu a pergunta de Yen. — O que mais há para ver?

"Olhe com mais atenção", advertiu seu primo felino, com aquela expressão ilegível em sua face albina. "Está se deixando levar pelos sentimentos, Soe. Nem parece você. O Soen que eu conheço teria olhado para esses olhos e percebido a diferença antes mesmo de sacar a espada".

— Então você não me conhece — herdeiro de Etheia comentou. — Percebi que os olhos dele estão diferentes, e saquei minha espada mesmo assim.

De fato, os olhos de Alec não eram mais os mesmos. As íris tão escuras quanto as pupilas assumiram um castanho escuro comum e taciturno, sem sinal daqueles olhos sem fundo típico dos Blackthorn, que mais se pareciam com poços obscuros onde criaturas famintas espreitavam entre as sombras.

"E não parou para pensar que, talvez, seus olhos não sejam iguais porque esses não são os olhos de Alexander?" Yen entortou a cabeça. Parecia genuinamente curioso, mas Soen podia apostar que estava zombando dele. "Além disso, esse homem não cheira como Alexander. Depois de ser aprisionado nesse corpo de gato, pude perceber que cada pessoa tem um odor particular, e o que sinto nesse corpo não é o cheiro dele."

Labe MortemOnde histórias criam vida. Descubra agora