Capítulo 22

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Durante sua infância, Soen costumava se questionar com relativa frequência sobre a diferença entre homens e animais. Na primeira vez que seu pai tentou matá-lo, percebeu que a discrepância residia na crueldade.

Embora as larvas gordas e numerosas que devoravam um cão moribundo nos arbustos atrás do castelo pudessem parecer cruéis, consumindo-o quase inteiro por dentro enquanto seus pulmões ainda respiravam e a dor escapava de seu focinho úmido em pequenos chiados entrecortados, Soen, com seus oito anos, compreendia que, apesar da crueldade aparente, os vermes não faziam mais do que o necessário para sobreviver.

No entanto, quanto mais inteligente o animal, mais ele tendia a exibir camadas irregulares de perversidade desnecessária. Muitas vezes por tédio, de vez em quando por retaliação. Fosse um gato brincando com a presa, um corvo que nunca se esquece e guarda rancor, ou ainda, um humano estuprando e matando — não necessariamente nessa ordem — pelos mesmos motivos.

Yenned Vineyard nunca foi um homem cruel, apesar de desempenhar bem o seu papel de jovem general astuto e criativo no campo de batalha. Faltava-lhe aquela malícia típica dos outros soldados em posições superiores, como se ele não tivesse consciência do poder que sua posição exercia sobre os outros. Do quão alto chegaria se subisse em degraus feitos de corpos.

Não se tratava de um idiota parvo ocupando uma posição importante graças ao sangue aristocrático em suas veias, uma vez que ninguém poderia contestar sua habilidade nata. Sendo assim, como não existia qualquer sinal de malícia em seus olhos cinzentos quando ele olhava de cima para a bucha de canhão na linha de frente do exército? A maldade humana não provinha da inteligência que eles mesmos se atribuíam?

Parecia provável que a brutalidade dos homens fosse, na verdade, o resultado de uma irreparável ignorância patológica. Uma herança dos primeiros homens, incrustada em seus descendentes como uma memória muscular. Yenned, claro, sempre esteve acima disso.

Mas até que ponto a racionalidade poderia ser, de fato, racional? A sociedade parecia insana até os ossos, e poucos eram aqueles que enxergavam além da loucura. Ou talvez tudo aquilo fosse tolice. Talvez alguns apenas escondessem melhor a verdade sobre sua natureza.

Naquele momento, observando Alexander com um par de olhos azuis ferozes e toda a postura elegante de um gato que poderia, de fato, arrancar qualquer coisa da mente dele com ou sem permissão, Yen se parecia com alguém que escondia mais de duas décadas de perversidade humana por trás de seu habitual semblante escrupuloso.

Depois de passar tempo o suficiente preso no corpo de um animal, assistindo enquanto sua percepção se deteriorava até o dia em que fosse substituída pela consciência de um gato qualquer, Yen finalmente saíra daquela concha de benevolência típica dos Vineyard e provaria que todos os homens nascem, crescem e morrem presos no círculo inquebrável de uma doença silenciosa atrelada à capacidade de raciocinar?

Como um complexo de divindade, todos desejavam olhar tudo de cima. Fora por isso que o herdeiro do trono costumava pensar que um Deus esculpido à imagem dos homens não passava de um delírio. Uma invenção moldada a partir de uma conjunção de mentes fracas e egos elevados. Mesmo depois dos últimos acontecimentos, ele ainda tinha suas dúvidas.

Mas, novamente, Yenned Vineyard nunca foi um homem cruel. Nunca desejou subir em um pedestal para que todos pudessem venerá-lo aos seus pés como um deus. Na melhor das hipóteses, torcia para que seu esforço pelo reino fosse reconhecido e se constrangia diante dos olhares admirados daqueles que secretamente o invejavam. O que quer que tivesse espreitado sob sua pelagem alva naquele instante nunca teria existido se a alma dele não estivesse comprometida e, com um esforço considerável, fora rapidamente recolhido de volta para o canto escuro em sua mente de onde saíra.

Labe MortemOnde histórias criam vida. Descubra agora