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Lizzie

Sou muito cética em relação a essa "coisa" a quem as pessoas vulgarmente chamam de amor. Para mim, parece mais carência, incompletude. Eu abomino a ideia de passar a vida esperando, ou pior, procurando uma suposta alma gêmea. Não entendo como as pessoas, a grande maioria delas, pelo menos, vivem em função disso. As minhas amigas não me entendem, dizem que sou assim por causa da minha profissão, por ser muito voltada para a ciência, mas não acho que seja esse o motivo, até porque muita gente da área cientifica nutre esses desejos românticos também. Então, talvez o problema seja eu, aliás, problema para outras pessoas, não para mim.

Vivo para minha profissão, e não me envergonho disso, ao contrário, é meu orgulho. É nela que encontro a felicidade e a completude que muitos preferem procurar em outras pessoas. Veja bem, não me levem a mal, não condeno quem age assim, só estou cansada de ser condenada, cobrada e criticada por não agir da mesma forma.

Gostaria que as pessoas compreendessem que não tenho encontros, namoros e relações passionais, não porque não goste, ou não permita. Apenas não sou assim, esse modus operandi não funciona para mim, e isso não me faz uma solteirona mal amada, me faz sim, uma pessoa casada com meu emprego e satisfeita com isso. Tenho meus casos de vez em quando, quando, milagrosamente, encontro pessoas que pensam como eu, são raras, mas existem. Como o George, por exemplo.

Conheci o George no trabalho, ele veio dos Estados Unidos numa espécie de intercâmbio profissional. O hospital onde trabalho enviou um médico para o hospital dele, e o dele o enviou. Nos conhecemos e a atração foi instantânea. Sempre espero pra ver como a outra pessoa funciona, para evitar dramas desnecessários. Não tolero encontros românticos, não suporto quem quer forçar a entrada na minha vida, não aguento a melosidade que vem junto com o romantismo. Sou prática, e preciso que tudo que me cerca seja prático, assim como o George.

Como convivíamos bastante no meu setor, fomos ficando amigos, e pude perceber que ele pensava como eu, em relação a esse ponto específico. O George era um solteiro confortável com sua condição, e sem a menor vontade de mudar isso, outro ponto em comum. Deixei claro como pensava, e depois disso, as coisas fluíram.

Ficávamos juntos quando os dois tinham vontade, no meu apartamento, ou no flat onde ele estava hospedado, sem romance desnecessário, sem promessas, sem cobranças, sem mentiras e sem planos. Leve, como todo relacionamento deveria ser.

Ele passou seis meses em Londres, mas só ficamos nos últimos três. No semestre seguinte fui a selecionada para ir aos EUA, mas já não me interessava por ele. Despedimos-nos como dois amigos, sem dramas e sem frescuras e nunca mais tivemos contato, nem nos meses que passei nos Estados Unidos.

E depois de seis meses fora, estava feliz em voltar para minha cidade, para o meu trabalho, e para minha família, até aquele mísero encontro que quase conseguiu estragar o meu humor.

William

Estava cansado, exausto, para ser mais sincero. Não sei por qual motivo as pessoas acreditam que eu deva me casar, não sei mesmo. Nunca passou pela cabeça delas considerar o que eu quero? Com certeza existem por aí homens dispostos a isso, e até que sonham com isso, mas definitivamente, não é o meu caso. Só queria paz e sossego, principalmente no meu ambiente de trabalho, sem mulheres se jogando em cima de mim. Devo ter nascido no século errado, não existe mais espaço para conquista, para o flerte. É uma facilidade, uma intimidade tão forçada que assusta. As pessoas estão tão focadas em demarcar território, em tomar posse do outro que sequer conhecem de verdade quem está ao seu lado. É deprimente.

Naquela semana estava mudando de emprego, mais uma vez, e esperava não ter os mesmos problemas com esse tipo de mulheres, que infelizmente costumava se repetir. Estava finalmente fincando meus pés no ambiente que fez com que me tornasse o médico que sou hoje. Vi minha família tornar aquele hospital o grande centro médico que ele era nos dias atuais, porém, depois de formado, sempre me esquivei de retornar para o lugar que frequentava ainda criança, onde vi meu pai atuar com ética e responsabilidade. O receio de ser julgado por estar ali pelo meu sobrenome e não pela minha competência, me impediu de ocupar esse lugar antes, mas não impedia agora. No momento, já tinha bastante experiência e anos de uma carreira consolidada e de sucesso. Hoje meu nome tinha o peso da competência e não da tradição familiar, dessa forma, pude me sentir confortável para ocupar o lugar de chefe da cirurgia geral, com todas as dificuldades e alegrias que decorriam disso.

Naquela segunda feira, milagrosamente não chuvosa, percebi que havia começado com o pé esquerdo, quando ofendi, sem querer obviamente, uma das médicas do hospital. Não sou uma pessoa simpática, e não vejo nisso um problema, embora meu grande amigo Charles Bingley, não canse de me criticar. Não quis ofender a Dra. Bennet, apenas aconselhei o Dr. Bingley a não se empolgar tanto com as mulheres, como ele sempre fazia. A grande zebra foi a pessoa sobre a qual falávamos estar passando por nós exatamente naquele fatídico momento.

Embora eu deva confessar que não gostei muito de sua postura ao adentrar na sala da administradora do hospital, minha prima por sinal, com toda aquela intimidade. Parecia que as duas eram amigas de infância, e considerei aquele tipo de tratamento informal demais para tê-lo com uma superior hierárquica. Pelo visto, fui o único a estranhar, já que a Anne também comportou-se de forma parecida. Bingley, na presença de uma mulher, como sempre, derreteu-se todo, tecendo elogios vazios e desnecessários, fingindo inclusive que já ouvira falar da competência daquela médica. Foi apenas isso que critiquei, alertando-o. Nós havíamos acabado de ser apresentados àquela mulher, não havia motivo para tanta empolgação.

O fato é, que depois da minha crítica, e, posteriormente, quando percebi que ela havia sido ouvida por quem não deveria, fui lamentar este fato com Charles, desse modo ele fez o favor de digitar o nome dela no site de busca para me mostrar o número de artigos científicos escritos ou co-escritos por ela e a relevância deles, além dos prêmios a que ela fora indicada ou vencedora. Alguns dos arquivos, já tinha lido, mas não liguei o nome à pessoa.

Maldito Bingley! Maldita hora em que o convidei para participar da equipe cirúrgica como anestesista! Maldito momento em que fiz aquele comentário! E agora não podia fazer mais nada, quer dizer, o Charles disse que eu devia no mínimo um pedido de desculpas, mas prefiro esperar o tempo passar e ela esquecer.


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