02.

754 104 14
                                    

Tinham passado exactamente seis anos desde a última vez que Ashton tinha visto Valerie. Ele não sabia se podia considerar que eram amigos. Aquilo era uma questão que o deixava um pouco confuso. Tinham sido vizinhos, conheciam-se desde que se lembravam de existir. Aquelas duas raparigas, tão iguais, tinham sempre chamado a sua atenção, quando criança, nunca tinha antes visto duas pessoas iguais, por isso aquilo era algo que o fascinava. O facto de a sua casa ser ao lado da de Valerie e Ivy, e terem praticamente a mesma idade, fazia com que o rapaz acabasse por passar tempo com elas. O seu lado rebelde, no entanto, deixava Valerie um pouco de pé atrás. Ele por vezes achava que ela era bipolar ou algo do género, pois tanto falava com ele normalmente, como no momento seguinte era fria. Ela apenas dizia que ele era irritante e estúpido, na maior parte do tempo. Ivy sempre tinha sido mais simpática para ele, no entanto. Porém, as duas irmãs eram muito parecidas, e o que uma fazia, a outra logo ia atrás. Por estes motivos, e outros, é que Ashton não sabia se podia considerá-la uma amiga ou não.

Quando tinha cerca de catorze anos, os seus pais decidiram que estava na altura de mudarem de casa, devido a uns problemas pessoais. Apesar de não terem mudado de cidade, foram viver para uma parte daquela cidade um pouco afastada de onde tinham vivido até àquela altura. Ashton acabou por mudar de escola, perdendo assim o contacto com todas as pessoas que havia conhecido até ali, incluindo as gémeas.

Olhando para a rapariga loira que tinha agora surgido no seu campo de visão, ele não sabia se estava a ver Valerie ou Ivy. Nunca as tinha conseguido distinguir, na verdade, no entanto, algo lhe dizia que era Valerie. Ivy era mais calma, nunca ela estaria metida num hospital psiquiátrico. Também era estranho Valerie estar ali, visto que não conseguia pensar em nenhum motivo suficientemente bom para ela se encontrar naquele lugar.

Conseguiu ouvir o seu nome ser proferido por ela, que apesar de ter sido sussurrado, fez um pequeno eco nas paredes daquele corredor.

- Valerie? – chamou, mas de nada lhe serviu pois nesse mesmo instante, a rapariga virou o rosto numa outra direcção, uma porta abriu-se e em conjunto com a mulher que a acompanhava, entrou naquela divisão.


Estavam agora na ala dos quartos e Valerie deu por si a olhar em volta, perante o novo corredor que preenchia agora toda a sua visão. Este estava repleto de portas, tanto de um lado como do outro, e logo ela percebeu que cada porta correspondia a um quarto. Na sua mente estava ainda presente a imagem de Ashton, mas o que estava ele ali a fazer? Nunca mais o tinha visto, e na verdade, isso pouca diferença lhe tinha feito. Nunca tinham sido muito chegados um ao outro, no entanto, continuava a ser estranho para ela vê-lo ali. Não esperava que isso fosse acontecer.

- E o teu quarto é aqui. – a mulher sorriu quando Valerie olhou para ela, e depois a sua atenção foi para a divisão onde tinham acabado de entrar. Todo o quarto era demasiado branco, paredes brancas, móveis bancos, cama branca, lençóis brancos. Valerie ia mesmo passar a odiar aquela cor, que parecia ser a única presente naquele lugar. – Vou deixar-te sozinha agora, para arrumares as tuas coisas. Mais tarde alguém virá aqui, para te mostrar as instalações e essas coisas. – com essas coisas, Valerie sabia que se referia a medicamentos. Ela já tinha de tomar uma enorme quantidade deles, devido aos seus problemas e sabia que aqui isso iria continuar.

Todos esperavam que a sua estadia ali servisse para ela ficar curada, do que quer que seja que tivesse, mas ela sabia que isso não ia acontecer. A sua vontade de morrer não ia diminuir.

Assim que ficou sozinha, a rapariga pousou a sua mala sobre a cama que estava no centro do quarto. Abriu a mesma e logo os seus olhos se desviaram para o diário. Retirou o mesmo da mala e os seus olhos percorreram-no. Estava já um pouco gasto, de tantas vezes ter sido escrito e folheado. De tantas vezes os seus dedos percorrerem aquele objecto como se ele valesse muito mais do que a sua própria vida. Valerie abriu-o, numa das páginas iniciais, e os seus olhos focaram-se nas letras escritas na sua caligrafia perfeita.

 

" 18 de Junho, 2014

Continuo a achar que estás viva, ainda olho para a porta do nosso quarto e fico à espera que tu entres. Ainda olho para a tua cama na esperança de te ver a dormir na mesma. Ainda espero ouvir o som da tua voz, nem que seja para me repreender por algo que eu tenha feito mal. Ainda espero por todas estas coisas, mesmo sabendo, que nunca mais irão acontecer. E isso dói-me tanto.

Passaram dez dias desde que morreste, e desde aí, todos os dias eu escrevo neste diário. Pode parecer algo estúpido, mas não consigo parar de recordar aquilo que significas para mim. E tenho medo, tenho muito medo de me esquecer de ti. Tenho medo que as memórias presentes na minha cabeça se apaguem. Por isso eu escrevo-as. Assim sei que jamais me irei esquecer."

 A curiosidade que Ashton sentia naquele momento, era maior do que tudo o resto. Ele queria tanto saber o porquê de ela estar ali.

Os seus passos faziam eco naqueles corredores, e a sua cabeça estava a doer naquele momento. Mas ele não queria saber disso, nem queria saber do facto de ainda não ter tomado os medicamentos daquele dia. Já passava da hora de os tomar, mas ele pouco se importava com isso. A sua vida estava já destruída, e não eram aquelas pequenas coisinhas que iam fazer a sua vida voltar atrás. Se ele pudesse voltar atrás, tinha feito tantas coisas de maneira diferente...


- Ashton, estás bem? – a voz de Adam fez-se ouvir junto aos meus ouvidos. Quer dizer, ele estava afastado de mim, mas a minha cabeça estava de tal maneira a doer-me que parecia que ele estava a gritar.

- Não! – gritei, alto, por entre o vomitado que saía da minha boca. Eu nem sei onde estávamos. Talvez num beco? Só sei que não conseguia parar de vomitar. A minha barriga estava às voltas e eu sabia que a culpa de tudo aquilo era do álcool que eu tinha ingerido. Disso e das drogas que se tinham juntado ao mesmo. O meu corpo não aguentava mais, eu tremia por todos os lados, não conseguia fazer nada, porque de cada vez que tentava levantar-me, eu voltava a vomitar.

Encostei-me contra uma parede, quando consegui parar de vomitar, acabando por deixar depois o meu corpo escorregar pela mesma, até eu ficar sentado no chão. Levei uma das minhas mãos à barriga, deixei que a minha cabeça pendesse para trás, até ficar encostada contra a parede e com a manga do meu casaco, limpei a minha boca. Sabia a vomitado, mas neste momento esse era o menor dos meus problemas. A minha visão estava turva, e eu sabia que a qualquer momento o meu corpo iria sucumbir e eu ia desmaiar.


Ashton entrou numa sala, a qual era chamada sala de convívio. Aquilo para ele soava meio irónico, visto que as pessoas ali dentro faziam de tudo, menos conviver. Cada pessoa ficava sempre no seu canto, com uma expressão séria a olhar para um ponto qualquer à sua frente. Quase ninguém falava, limitavam-se ao silêncio, ficando talvez presas nos seus pensamentos, como muitas vezes acontecia com ele.

Ele sentou-se numa cadeira junto a uma das janelas, e olhou para o exterior daquele edifício. O céu estava cinzento, como na maior parte dos dias e algumas gotas de chuva batiam já contra o vidro que o separava do exterior.

- Acho que já te mostrei tudo, agora fica à vontade. – aquela voz, a única que se tinha feito ouvir até agora naquela divisão, despertou o rapaz dos seus pensamentos e logo os seus olhos se dirigiram para a porta.

Valerie estava à entrada da mesma, agora sozinha e com um olhar assustado e perdido.


N/A: Fiquei tão contente com todos os comentários e votos que tive no primeiro capítulo! Não estava à espera que vocês continuassem aqui a ler e isso deixa-me tão contente!

Este capítulo era só para ser publicado amanhã porque amanhã eu faço anos e pronto. Mas não me apeteceu esperar até amanhã, por isso aqui está ele. Muitas de vocês já o leram mas pronto, pensem que a partir do próximo capítulo será novo para toda a gente!


Recovery || a.i.Onde histórias criam vida. Descubra agora