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Aquela sala estava perfeitamente arrumada, assim como todas as outras divisões que Valerie tinha acabado de conhecer. As paredes de cor branca, pareciam ser uma regra naquele lugar. Os seus olhos de cor azul vaguearam pela sala, vendo a mesma composta por algumas pessoas, que pareciam não encaixar naquele lugar demasiado perfeito. Todos estavam alheios ao facto de ela ser a nova paciente, e a rapariga sentia-se contente por isso. Não queria, de todo, dar nas vistas naquele lugar. Não queria chamar a atenção de ninguém. No entanto, para uma pessoa isso mostrara-se inevitável, pois o rosto de Ashton estava virado na sua direcção.

Ela ignorou esse facto, e com passos precisos, dirigiu-se a um dos sofás que se situava na zona mais vazia daquela divisão. O seu corpo sentou-se sobre a esponja macia e ela respirou fundo, quando os seus olhos se viraram de encontro a uma das janelas. Ela pôde vislumbrar no horizonte uma cidade enorme, a sua cidade, cujos contornos da mesma faziam os seus olhos encherem-se de lágrimas. Os grandes edifícios, agora repletos de luzinhas, devido à noite que começava a surgir, erguiam-se imponentes perante os seus olhos. As luzes dos carros que se moviam pela cidade chamavam também a sua atenção. Até que ela acabou por desviar o olhar, respirar fundo e engolir as lágrimas que estavam prestes a abandonar os seus olhos. Sentia-se presa ali dentro, sentia que o mundo tinha sido dividido em duas partes: de um lado estava ela, aqui fechada, e do outro lado, estavam todas as outras pessoas.

Os seus olhos, com uma expressão gelada, fitaram o corpo do rapaz que estava agora à sua frente. Ashton puxou uma cadeira e sentou-se em frente de Valerie, deixou que os seus olhos esverdeados encontrassem os dela e passou os dedos pelos seus cabelos revoltos, numa tentativa de os manter no seu devido lugar.

- Valerie... - começou a falar, mas logo aquela voz da qual ele mal se conseguia lembrar, o interrompeu.

- Como sabes que sou eu? - ela perguntou, mantendo a mesma expressão. Não queria que ele estivesse ali, a falar com ela. Ela apenas queria ficar sozinha e morrer.

Os ombros dele encolheram-se e recostou-se para trás na cadeira. - Apenas não consigo imaginar a tua irmã num lugar destes.

Ao ouvir aquela palavra, Valerie quebrou o contacto que os seus olhos haviam feito com os dele e cerrou os seus punhos, que estavam pousados sobre o seu colo.

- Porque estás aqui? - Ashton decidiu perguntar, quando percebeu que ela não iria dizer mais nada.

- Porque quero morrer. - ela respondeu prontamente, para quê esconder aquilo? Ela não tinha medo ou vergonha de o admitir. Simplesmente queria que a sua vida acabasse, e gostava de entender o porquê de isso ser tão difícil.

O rapaz de cabelos claros engoliu em seco, e os seus olhos abriram-se mais do que o normal, ficando assim confuso com a resposta que ela havia dado.

- Porquê? - murmurou, sem ter a certeza de aquela ser a pergunta certa a fazer.

- Porque quando a vida deixa de fazer sentido, as pessoas apenas querem que tudo acabe. - explicou, focando de novo os seus olhos nos dele.

- A minha vida não faz sentido, e não é por isso que eu quero morrer. - e ele não queria mesmo. Prezava muito a sua vida, no entanto, o facto de ter andado metido nas drogas e álcool, fazia pressupor que ele não dava qualquer valor à vida, visto que aquelas coisas a destruíam. Mas não, Ashton queria muito viver, apenas sentia que perdia o controlo de si próprio, fazia coisas erradas mas por mais que tentasse corrigi-las, ele não conseguia. Por isso é que estava aqui, apesar de duvidar que fosse resultar. No dia que saísse daqui, o mais certo era ele correr para algum lugar onde pudesse continuar o seu vício. E só ele sabia a enorme vontade que tinha disso, a vontade que tinha de sentir as drogas no seu organismo, sentir o corpo leve e a mente vazia de qualquer tipo de pensamentos. Ele não queria pensar nisso, não queria pensar na ânsia que o seu corpo tinha daquelas coisas.

- Tu não entendes. - Valerie interrompeu os pensamentos dele e encolheu os ombros. - Ninguém entende. - e nunca ninguém a iria entender, iriam sempre continuar a insistir que ela tinha de deixar o passado atrás das costas, mas ela não conseguia. Ou não queria fazê-lo. Porque é que haveria de querer esquecer os melhores anos da sua vida? O passado fazia-a sorrir, e o futuro apenas era um negro vazio à sua frente.

- Como está a tua irmã? - Ashton perguntou, tentando assim mudar aquele assunto, que parecia estar a deixar Valerie desconfortável. Ela não parava de mexer os seus dedos, como se estes estivessem numa luta constante entre eles.

Aquilo pareceu deixá-la ainda mais desconfortável, pois o olhar da loira, tornou-se ainda mais frio e triste do que estava até então. - Morreu.

Valerie conseguiu perceber quando Ashton mudou a sua expressão, o seu rosto pareceu ficar mais tenso, o seu maxilar cerrado e os seus olhos mais escuros.

- Morreu? - ele repetiu a palavra, sentia a sua mente num enorme turbilhão de pensamentos. Daquilo ele não estava nada à espera. Como é que Ivy estava morta? Parecia algo irreal.

- Sim Ashton. Ela está morta. - Valerie levantou-se do sofá onde se encontrava sentada, e Ashton repetiu o seu gesto, levantou-se e segurou no braço dela. Deixou que os seus olhos encontrassem os dela.

- Como? O que é que aconteceu?

- Acho que não tens nada a ver com isso. - as palavras dela eram frias e diretas.

- Eu conhecia-a, quer dizer, sei que se passaram anos, Valerie. Mas eu conhecia-a e... - mordeu o lábio, deixando que um suspiro fosse expelido por si. -... gostava mesmo de saber o que aconteceu...

- Mataram-na, sabes? Mataram a minha irmã e eu odeio as pessoas que fizeram isso, apesar de nem sequer saber quem foram. - uma gargalhada falsa ecoou dos seus lábios. - Tiraram-me a pessoa mais importante da minha vida. Aquela que me fazia ter vontade de viver. - antes de poder dizer mais alguma coisa, foi interrompida por Ashton.

- Então, o facto de estares aqui tem algo a ver com ela?

- Sim, eu tentei matar-me, muitas vezes. Eu deixei de querer viver num mundo em que ela já não existe.

Quando Valerie virou costas e começou a sair dali, Ashton quis ir atrás dela, quis perguntar-lhe mais coisas. Entender melhor tudo aquilo, que neste momento estava a dar voltas e mais voltas na sua cabeça, porém achou que não ia adiantar de nada. Valerie não iria responder-lhe a mais nada, já tinha tido muita sorte de ela lhe ter contado aquilo, na verdade.

Passando os dedos pelos seus cabelos ele olhou para a janela, onde a chuva batia agora com alguma intensidade, fazendo a cidade, lá ao longe, ficar desfocada em frente dos seus olhos. O tempo não estava nada de acordo com a época do ano em que se encontravam. Estava demasiado chuvoso, quando o Verão estava prestes a chegar. Mas não era mesmo assim? As coisas raramente faziam sentido, ou aconteciam quando deviam. Ivy estava morta, Valerie queria morrer e portanto estava internada num hospital psiquiátrico e ele estava internado também, devido aos problemas causados pelo excesso de drogas e outras coisas das quais ele não queria nunca mais recordar-se. Quem diria, quando eles eram ainda umas crianças, que neste momento as suas vidas estariam desta forma, completamente arruinadas.


N/A: Eu estava ansiosa de publicar um novo capítulo, porque este capítulo já é novo para toda a gente, ao contrário do outros que algumas de vocês já tinham lido. Então agora estou mais entusiasmada.

Espero que tenham gostado deste capítulo e eles, finalmente, falaram um com o outro. A Valerie é a personagem mais pessimista, triste e deprimida que eu já escrevi omg. Bem, quero muito que vocês leiam esta história que está repleta de supresas!

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