I - Nova escola, novos amigos

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Beto deu um delicado beijo nos cabelos de Marquinhos e chamou com carinho:

- Vamos acordar, meu filho? É seu primeiro dia de aula na escola nova.

- Ah, não quero - resmungou o menino

- Mas é importante, meu amor. Você está indo para uma escola de meninos grandes. Ah, meu garoto tá crescendo! - o pai explicou com muita paciência.

Marcos fez um beicinho:

- Por que eu não posso continuar na minha escola?

- Porque aquela é para crianças menores. Você até ficou um pouco mais de tempo... Mas agora você tá pronto pra um desafio maior. Vai aprender a ler, escrever, fazer conta... - o homem sorriu, orgulhoso daquela nova etapa do seu menino.

A criança pensou um pouco e olhou nos olhos do pai:

- Você vai ficar feliz se eu for, né?

- Muito.

- Então, tá - Marquinhos deu um leve sorriso - Cadê meu uniforme? Posso comer o cereal de bolinhas com chocolate?

- O uniforme tá na sua poltrona, e eu vou preparar seu cereal. Não demora, viu? - avisou Beto, saindo do quarto.


Ao ver o menino sumir para dentro da sala, Beto soltou um profundo suspiro. Ficou um tempo parado no carro, lembrando de tudo que passaram até ali. Alice, a mãe de Marquinhos, foi uma presença tortuosa na vida de Beto. Conheceram-se por acaso, numa festa de faculdade, na época em que ele ainda era apenas um estudante de Direito cheio de sonhos. A atração foi imediata e a química também. Mas a sintonia que tinham na cama desaparecia fora dela. Por isso as idas e vindas foram tantas que Beto até perdeu a conta. Tentavam namorar, tinham alguns dias de paixão, logo uma briga, muitas vezes por algo bobo, e Alice sumia. O rapaz saía com outras pessoas, tentava seguir a vida, e quando estava quase engatando outro relacionamento, a moça reaparecia. E Beto não resistia, recomeçava o ciclo.

Até o dia em que o preservativo rompeu. Para Alice, a culpa era toda do rapaz, que não fazia nada direito, nem colocar uma camisinha. Quando confirmou a gravidez, ela queria interromper, mas não teve coragem. Então não se cuidava, faltava aos exames e consultas que Beto marcava, e reclamava o tempo todo dos enjoos, do corpo aumentando, daquele intruso em sua barriga. Rejeitava tanto a ideia de carregar aquele ser por nove meses que até sentiu certo alívio ao ter um sangramento, quando mal chegava nas 22 semanas de gestação. Beto a levou depressa ao hospital, mas Alice negava com tanta intensidade aquela gravidez que nenhuma tentativa de manter o bebê no útero por mais tempo teve sucesso. E assim Marquinhos nasceu, com apenas 600g, e foi levado direto para a UTI neonatal.

A mãe mal teve interesse em ver a criança, e assim que teve alta, desapareceu. Mas Beto passava todo o tempo possível lá, mesmo que o período de visita na UTI fosse limitado. Ele chegou ao ponto de levar o notebook e trabalhar sentado numa das cadeiras duras da recepção. Nessa época, já estava formado e dividindo escritório com mais dois amigos, que foram muito compreensivos com a situação toda, inclusive atendendo alguns clientes para que Beto analisasse os casos depois. Só quando Marquinhos foi para casa é que o advogado conseguiu retomar a rotina de trabalho, e isso porque voltou a morar com os pais até conseguir organizar a nova vida.

Depois do primeiro aniversário do filho, os dois mudaram-se para o apartamento em que ainda residiam. Para dar o suporte que o filho precisava, Beto passou a trabalhar em casa. E foi nessa época que ele desconfiou que o menino estava se desenvolvendo mais lentamente do que o esperado. A criança alcançava os marcos de desenvolvimento mais tarde do que a média, mas como tinha sido um prematuro extremo, isso não preocupava. Até que o pai questionou o pediatra, novos exames foram feitos, e sim, Marquinhos tinha uma pequena sequela do nascimento tão antecipado. Começaram uma rotina de várias terapias e o garoto foi crescendo, evoluindo sempre mais devagar, mas conseguindo ter uma vida feliz e ativa. Alice nunca deu notícias, e Beto também não fez questão de saber. Ele e o filho eram uma família, com muito amor. E só isso importava.

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