3 - Novo comando

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06 MESES DEPOIS…

Payú (Cristiano)

Foi um desafio muito grande assumir o comando na favela após a prisão do meu pai. A responsabilidade que recaiu sobre meus ombros é esmagadora e exaustiva, e a ausência dele é um vazio enorme. A pressão para manter o fluxo dos negócios e a ordem na comunidade é sufocante, mas eu tento equilíbrio entre mostrar respeito pela história dele e mostrar a minha própria marca de liderança, dando continuidade ao que ele já fazia, é claro, mas fazendo alguns ajustes também. Cada decisão que eu tomo é baseada em atos que não comprometem os negócios e nem a segurança da comunidade e para isso, eu tento evitar a atenção das autoridades e dos rivais.

Os primeiros meses no comando da favela foram foda, tudo ficou uma bagunça depois da invasão e a ordem precisava ser restabelecida. Perdemos muitos soldados e outros precisaram entrar para o bonde, além de todo o restante que caiu nas minhas costas. Claro que meu pai me preparava há um bom tempo para isso, desde a minha adolescência, eu sabia qual era o meu destino. Cresci em uma favela onde o poder era sinônimo de respeito, e meu pai era o dono desse poder. Enquanto muitos garotos sonhavam em ser médico, engenheiro, dentista ou até mesmo jogador de futebol, eu estava sendo preparado para substituí-lo no comando dessa favela e no comando do tráfico de drogas. E arrisco dizer que nunca sonhei ser outra coisa, sempre quis continuar o legado do meu pai.

Aprendi desde moleque a lidar com armas, a comandar homens e a impor respeito. À medida que os anos passavam, assumia gradualmente mais responsabilidades e um dia, conforme fui treinado, eu assumiria o lugar do meu coroa, mas não esperávamos que fosse logo e de uma hora para outra, eu me tornei o dono de tudo.

A jornada é árdua, pesada e repleta de escolhas difíceis. Muitas vezes, me olho no espelho e me questiono o quanto essa vida é fodida, mas é um fardo que eu carregarei para o resto da minha vida.
Muito antes de completar meus 18 anos, eu quis ter a minha própria casa e meu pai me proporcionou isso, mas eu estava sempre na casa dele com a Mara, porém depois da morte dela e da prisão dele, praticamente não fui mais lá. Uma casa enorme, coberta por muros altos, mobiliada com de tudo de mais caro, moderno e luxuoso como a Mara gostava, incluindo uma piscina enorme com quiosque, que lá de fora não é possível ver. Uma casa maneirona que agora está vazia de pessoas e vazia de vida.

Durmo sempre em pontos diferentes da favela, uma estratégia para não ser pego em alguma armadilha, mas a casa que meu pai construiu pra mim, é onde eu mais curto ficar, me traz paz e sossego e é um dos poucos lugares que não me trazem lembranças ruins.

Com a prisão do meu pai, tudo ficou mais pesado, tudo passa por mim para ser resolvido, mas com o passar dos meses, eu fui pegando o jeito. Tento seguir a linha dele de comando, morador honesto a gente ajuda com o que está ao nosso alcance, uma cesta básica, um remédio ou até mesmo trabalho. Quem quiser entrar pro bonde, pode vir até nós, mas tem que mostrar que é bom nos quesitos que precisamos, além de ter disposição, é claro. Lembrando que dou oportunidade, mas não busco ninguém em casa, que entra pro crime é porque veio com as próprias pernas pedir para entrar. A maioria entra por necessidade mesmo, pra ter uma grana pra ajudar a família, que na maioria das vezes não consegue emprego ou então ganha um salário de merda e nessas, a gente dá a oportunidade que muitas vezes, eles não conseguem fora da favela.

A comunidade entrou nos eixos novamente depois da última invasão que nos baqueou legal. Os negócios estão fortalecidos, tanto o meu, quanto dos comerciantes e também fiz acordo com um político pra trazer mais profissionais pro postinho de saúde que antes atendia até 22:00 e agora é tipo uma UPA, aberta 24 horas. E ele também ajudou a criar a ONG pra molecada que há tempo meu pai queria fazer, mas na prática não entrava em funcionamento. É aquele lance, o cara fortalece a gente pra ser fortalecido também, daí é só sucesso.

Hoje foi mais um dia que tive que parar pra resolver a pica de morador que o Brand trouxe até mim.

— E então Payú, o que tu definiu? — ele pergunta parado na minha frente, do outro lado da mesa capenga da boca.

— Bom, essa duas que se pegaram pelos cabelos e fizeram escândalo dentro do mercadinho do seu Marcondes, elas vão fazer a limpeza do mercadinho dele, 10 dias cada uma, incluindo no domingo, uma de manhã e a outra a tarde, pra aprenderem a não ficar brigando por causa de macho que come as duas e ainda fazer o trabalhador ter prejuízo!

Dei essa ordem porque na hora da briga, o mercadinho teve que ficar fechado mais de uma hora por conta da bagunça das piranhas dentro do estabelecimento, e comércio fechado em comunidade, é prejuízo, afinal, a favela não para nunca, dia e noite, sem falar que teve uns produtos danificados por elas na hora que de se atracaram. Assim elas aprendem que a lei por aqui funciona, lei de bandido, mas é lei, que funciona muito bem, por sinal.

— E se elas reclamarem, pode botar pra fora da comunidade e proibir de colocar os pés de novo aqui! — falei, bolando um baseado, apertando a seda.

— E com o machão lá que bateu na esposa? Tô sabendo que não é a primeira vez que ele faz agressão com ela! O cara é o maior encostado, não coloca um trabalho naquele corpo e ainda pega o dinheiro da mulher para comprar bebida. Vacilão do caralho! — Brand fala, posicionado com as mãos à frente do corpo, segurando o fuzil.

— Nesse aí pode mandar dar uma surra, uma madeirada bem dada, daquelas de deixar judiado! — puxo a erva que rapidamente queima a seda. — E já avisa, outro caô desses, não vai ser madeirada, vai ser ele dentro da madeira, no caixão, pra alegria do coveiro!

— Positivo! — Brand assente e coça o canto do nariz, reprimindo um sorriso.

— Tá querendo rir né, seu pau no cu? Tu gosta de dar uns esculachos!

— Pô Payú, é satisfatório colocar essa gente encrenqueira na linha! — ele ri somente com os olhos.

— Tô ligado! É só assim que essa turma da caozada aprende, sem amor, só na dor mesmo.

— A Vanessinha me viu de bobeira tomando uma gelada lá no bar e veio trocar uma ideia comigo, mandando papo que você não procura mais ela, nem responde às mensagens, essa baboseira de piranha que você já conhece!

Dou uma risada de canto ao escutar.

— Não tô afim de repetir piranha mais, não! Aliás, ultimamente tô preferindo pagar uma profissional da área, tá ligado? Mesmo que saia mais caro! — outra tragada e aponto o baseado pra ele, continuando. — Assim eu escolho uma, ela vem, faz o serviço, pago e ela vai embora satisfeita e eu não fico recebendo mensagem no outro dia ou recadinho, né não, Brand?

— Tá seletivo, hein? — Ele dá um sorrisinho irônico e eu desdenho.

— Vai por mim, Brand, é melhor assim! Quando elas repetem a sentada, já ficam achando que são minhas fiéis! — Dou mais uma tragada, olho para a ponta e solto a fumaça pro alto, sinalizando com os olhos para a porta. Brand entendeu que era pra ir cumprir a ordem. Pegou o rádio e saiu dali pra designar os soldados que iriam fazer o trabalho.

Doce pecado do morroOnde histórias criam vida. Descubra agora