prólogo

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COMO AS FLORES DE CEREJEIRA

O vento uivava através dos corredores escuros do castelo, sussurrando segredos macabros enquanto envolvia aquele corpo gélido em seu abraço gelado. O vestido da duquesa estava manchado de rubro, testemunhando silenciosamente o destino cruel que lhe fora imposto, um destino que a relegaria ao esquecimento, um nome a ser apagado da memória coletiva.

O chá, agora derramado e esquecido sobre a mesa, era o único vestígio de uma tarde que começara como qualquer outra, mas que logo se transformaria em um palco de horror. Naquela tarde fatídica do dia 17, poucos teriam acreditado se alguém lhes dissesse que uma tragédia se avizinhava. E eu, bem, eu não tinha intenção de compartilhar meus planos com ninguém. Afinal, estava decidido que aquele seria o dia em que a princesa Angel Grahaam, a futura rainha de Eclipsa, encontraria seu fim, e eu sabia que a culpa recairia sobre sua única companheira naquele momento: a jovem duquesa Aria Kanary, filha bastarda do arquiduque do império Keir.

Naquela fatídica celebração do aniversário de Angel, tanto ela quanto Aria estavam alheias ao destino cruel que as aguardava. Se ao menos Angel tivesse percebido a coloração estranha do chá, ou seu odor sutilmente alterado... Talvez, então, seu vestido não estaria encharcado de sangue, nem seus lábios tingidos de rubro. Mas para executar aquele assassinato, eu havia recorrido a uma planta mágica de veneno mortal. Sabia que o rei não hesitaria em suspeitar da filha de seu amigo, especialmente por ser ela uma bastarda cujas origens maternas eram um mistério para todos.

Na manhã seguinte, enquanto os raios de sol penetravam timidamente pelas cortinas, Aria permanecia imóvel diante da janela, perdida em pensamentos sombrios.

-Senhorita...- Magnólia, sua fiel companheira, hesitou ao começar a falar.

Aria se virou, revelando seus cabelos azuis como o minério lápis-lazúli junto de madeixas na cor vermelho escarlates, olhos lilases profundos e pele de ébano, uma beleza tão rara quanto enigmática.

-Sim?- ela respondeu serenamente.

-Eles...- Magnólia lutava para formar as palavras.

-Eles chegaram?- Aria completou, calma como uma brisa antes da tempestade.

-Infelizmente...-

-Estou pronta para descer- anunciou Aria, amarrando os cabelos que antes cascavam em longas madeixas.

Na sala, onde todos aguardavam, Aria se apresentou de forma diferente. Seus cabelos, outrora longos e sedosos, agora estavam cortados abruptamente.

-Senhorita...-Magnólia mal conseguia conter o choque, suas mãos cobrindo a boca.

-A partir de hoje, talvez nunca mais retorne a este lar- murmurou Aria, enquanto era conduzida pelos guardas. -Deixarei meus cabelos como uma lembrança...

Ela se virou, lágrimas turvando seus olhos antes serem levada para um destino desconhecido. E pela primeira vez, eu sorri ao ver aquela expressão de tristeza em seu rosto, uma doce vitória em meio ao caos.

No final, Aria encontrou seu destino em uma masmorra sombria, onde a morte a encontrou. Como, exatamente, ela foi levada para o além, eu não sei. Quando fui verificar seu corpo, estava coberto por um pano, uma última cortesia antes do esquecimento final. Assim, duas figuras importantes para o império tiveram seu fim, e suas memórias desvaneceram-se como pétalas de cerejeira ao vento.

Aria e AngelOnde histórias criam vida. Descubra agora