Rams

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     FLASHBACK ON RAMIRO.

Eu ia até o Naitandei com frequência, mas aquele novo barman do bar parecia ter sentido algo por mim que honestamente eu não queria. Mas eu tinha que ir de novo ao bar porque havia uma festa para receber uma cantora de São Paulo e eu queria ir lá embora eu não me encaixasse naquilo, queria rever o Kelvin e ver o show. 

Coloquei uma camisa preta pois sabia que me deixava elegante, quebrei praticamente um frasco de perfume em mim e fui até o bar. 

Quando cheguei lá tudo estava colorido com cores, cartazes, purpurina e tudo mais que brilhasse ou fosse colorido. Saia muita fumaça lá de dentro que parecia haver até um incêndio, mas era apenas aquelas máquinas de fumaça. 

Entrei devagar tentando me acostumar com o cheiro de bebida e outros perfumes, procurei na multidão o Kelvin e honestamente não havia trabalho mais difícil.  Até que achei ele, ele usava uma blusa fina e transparente com brilho que marcava seu peitoral, uma bermuda jeans acima do joelho, cabelo um pouco bagunçado e o delineado de gatinho novamente. Ele atendia os homens e eu observava ele dar em cima praticamente de todos os homens com um sorriso malicioso. Quando ele me viu a expressão facial dele mudou para uma mais tranquila  e amena e veio em minha direção. 

- Rams! Que bom que você voltou. - Kelvin muda a expressão para uma um pouco mais agressiva. - Só que depois de muito tempo.

- Rams? - Fico confuso.

- Ah! É o apelido que eu te dei. - Kelvin sorri.

- E isso é apelido de macho? - Puxo as calças para cima.

Kelvin faz um biquinho com o rosto confuso.

- Bom, não sei. Mas bora, quer uma cerveja, tequila... - Kelvin é interrompido.

- Rum. - Digo.

- Rum é amargo. - Ele faz uma carinha de nojo. - Gosta disso mesmo?

Eu consinto com a cabeça e começo a ver quais presenças estavam no bar. Havia muita gente e eu não conhecia prática ninguém, havia muita gente de interiores vizinhos. Kelvin abriu um frigobar e derramou um pouco de rum sobre um copo, trouxe pra mim e sussurrou "não bebe demais, gatinho". Preciso dizer o quanto aquilo me arrepiou, chega tremi um pouquinho e soltei um breve "eee" e ele foi atender outras mesas.

Observei aquela presença e como ele irradiava dentro daquele bar diferente de todos, eu molhava meus lábios com um pouco de rum, espiava o Kelvin e assim seguiu. Me incomodava quando algum homem passava a mão pelo corpo do Kelvin e embora ele sorrisse, via no olhar dele que ele queria outra vida. 

- Kelvin. - Gritei para pelo menos conseguir tirar ele daquela situação. 

Ele correu em minha direção com um sorriso no rosto.

- Sim, Rams? - Kelvin diz.

- Lá vai com esse negócio de Rams de novo. Mas, bom. Eu quero mais um copo de rum. - Digo.

Ele busca no mesmo lugar a garrafa e despeja um pouco sobre o copo novamente, guarda a garrafa e tenta ir, porém puxo ele pelo braço. 

- Kevin, me espera lá fora. - Sussurro.

Ele me encara confuso e atende uma última mesa antes de sair. Eu me retirei do bar vendo o Kelvin admirar estrelas e a Lua.

- Kevin...? - Chamo ele que se vira confuso.

- Ah, oiê. Sabia que vai ter eclipse um dia desses? - Kelvin puxa assunto.

- Acho que sim, ouvi falar. 'Ocê tá gostando de trabaia' no bar? - Pergunto.

- Gostar? Ah sim, Dona Cândida é muito boa por ter me dado esse emprego. - Ele sorri tímido. 

- Num é isso que eu quero dizer. - Passo a mão pelo cabelo - Quero perguntar se 'ocê gosta de quando aqueles macho passa a mão n'ocê?

- Ah... - Ele fica envergonhado - Não tenho muita opção, eu trabalho em um bordel.

- Mas 'ocê se vende? 

- Me vender? Eu nunca fiz nada aqui. Ou melhor, ninguém nunca aqui buscou sexo comigo, só que eu fizesse o outro sentir prazer. - Ele diz e fica sem graça. 

- Eu num entendi, Kevin. - Fico confuso.

- A gente acabou de se conhecer, não acha? Mas eu vi você me olhando quando viu que tinha uns homens se oferecendo.

- Eu só queria entender se 'ocê fazia a mesma coisa que as prima. - Digo.

- Por que a pergunta? 

- Eu num vi 'ocê dando liberdade pra ninguém fazer aquilo c'ocê e eu vi que o seu sorriso era você se sentindo desconfortável. 

O Kelvin abaixou a cabeça e vi escorrer algumas lágrimas de seus olhos.

- Kevin? Eu falei algo errado? - Falo preocupado - Mas eu sou um jumento mermo'.

- Não... é que... eu vim pra cá há pouco tempo, eu procurei lugar em várias regiões daqui pra ficar pra tentar seguir minha vida depois de minha família me expulsar de casa. Eu não era aceito em lugar nenhum até que um dia conheci a dona Cândida, não era muito o que eu queria, tipo, trabalhar em um bordel? Não era o futuro que eu esperava pra mim e acho que se meu melhor amigo me visse hoje ele sentiria vergonha de mim. Eu sempre estive sorrindo mesmo com todas as dificuldades que minha família me fez passar, eu amo minha mãe mesmo com tudo, meu pai nunca tive informações dele, depois descobri que ele morreu quando eu tinha uns quatro anos por aí. Tinha meus primos que riam de mim, me chamavam de "menininha", "gayzinho" ou "ovelha colorida da família". Eu pegava umas maquiagens da minha mãe e depois ela brigava dizendo que aquilo não era coisa de menino, me colocou pra aprender a jogar bola, advinha? Eu sempre fugia quando a bola era pra mim e meu time me odiava. Minha vó ela era a única que me amava, nas férias eu ia pra casa dela e ela sempre fazia cafuné em mim e chocolate quente, só que ela morreu quando eu tinha 11 anos. Bom, durante a escola eu virei amigo de um menino tímido da minha sala, ele era engraçado e  eu gostava tanto da companhia dele, ele foi tipo meu primeiro namoradinho porque eu já beijei ele, depois que a mãe dele soube disse que eu era um mau exemplo pra ele e foi reclamar na escola, depois disso minha mãe me expulsou de casa e me mandou pra minha tia num interior aqui perto. Queria reencontrar o Willian... - Kelvin falou e depois abaixou a cabeça e se sentou perto de uma árvore. 

- Sua vida foi difícil Kelvin, mas 'ocê parece tão bem... - Encaro ele com dó.

- O que você vê, não é o que as pessoas são. - Kelvin me encara com um brilho no olhar. 

- Mas por que 'ocê me contou tudo isso? - Arqueio.

- Porque a gente vai ser grandes amigos. - Ele sorri - Ou mais que isso. - Ele dá um pulinho.

- Eeeee...

Naquele momento eu percebi que Kelvin seria mais que especial para mim, mas ao mesmo tempo eu não sabia se eu conseguiria servir como o refúgio que Kelvin gostaria que eu fosse para a vida dele. Percebi que cada pessoa tinha camadas, algumas camadas eram lindas e felizes, já outras eram puro rancor e trevas.

        FLASHBACK OFF RAMIRO.

Simplesmente, 'ocê - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora