Mãezinha

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Ramiro:

Bebi toda a garrafa de rum, a essa altura eu não estava mais sóbrio, única coisa que eu fazia era murmurar o nome do Kelvin e querer dormir. Eu não falava nada coerente, meus pensamentos estavam embaralhados e eu havia até esquecido do que eu tinha que fazer. Adormeci em meu carro com o farol ligado escondido nas terras da Aline. Algumas horas depois acordei com o celular vibrando no bolso de trás da minha calça, ergui meu corpo puxando o celular do bolso e verifiquei que quem ligava era a minha tia ‐ que cuidava da minha mãe - atendi preocupado pensando o que poderia ter acontecido para ela ligar naquela hora. Atendi a ligação e escutei a voz dela sair fragilmente, como quem estivesse preocupada e prestes a chorar, antes que eu pudesse entender o que ela falava interrompi, "aconteceu algo com minha mãezinha?" perguntei.

Ela responde com poucas palavras, "Ramiro não tenho tempo para explicar agora, mas vem pra casa da sua mãe agora que as coisas não estão indo nada bem". Naquele momento eu já me sentia amargurado sem nem saber o que havia acontecido. Ela desligou o telefone. A dor de cabeça era como um castigo por ter bebido toda aquela garrafa de rum. Fui até a casa do Doutor Antônio e falei minha situação, ele até permitiu que eu fosse até o pequeno interior que minha mãe morava, enquanto eu voltasse logo.

Fui no meu quartinho e peguei apenas umas roupas e entrei na minha caminhonete, dei partida e segui até o interior que era meu destino.


Kelvin:

Quando vi que o sol já estava se pondo, me levantei daquele banco. Eu sabia que o Ramiro não iria para o centro da cidade, mas não sei onde ele se esconderia e se é que ele estava se escondendo. Voltei ao bar, procurando pelo caminho o rosto de Ramiro e nada, talvez ele estivesse ocupado, talvez ele estivesse fazendo algum "serviço" do Antônio. Mil pensamentos consoladores passaram na minha mente, mas nenhum tiraram a gravidade da situação. Mandei mensagens para o Ramiro e nada de chegar no celular dele, naquele momento eu já não tinha mais forças e minha única vontade era descansar e esperar ele voltar para mim, ele sempre voltava.


Ramiro:

Depois de mais ou menos 2 horas de viagem, cheguei no pequeno interior que minha mãe vivia com minha tia e uma menina que minha mãe praticamente abrigou e adotou, ela já tinha lá para os seus 21 anos de idade e ainda morava com minha mãe. A casinha que fui criado havia mudado um pouco, haviam pintado as paredes de laranja, a varanda agora tinha uma rede e a porta era mais recente. Minha tia estava na frente da casa e estendeu os braços para mim dando sinal que queria um abraço, ela me puxou entre os braços e fez um cafuné no meu cabelo. 

- Ah Ramiro... - Ela fala com uma voz aveludada - Tia Carol sentiu tanto a sua falta... Mas você já tá um homem! Sua mãe que mandou eu te chamar, ela disse que quer se despedir, colocou na cabeça que tá nos últimos dia de vida dela.

- Se despedir? - Falo já com um olhar caído - Mai' ela tá doente ou coisa do tipo?

- Não, não. Mas a pessoa sente, Ramiro. - Ela dá dois tapinhas em minhas costas - agora vai no quarto ver tua mãe. Enquanto isso vou fazer um cafezinho. 

Entrei em casa, me ambientando e sentindo aquele cheirinho da minha casa, meu pequeno e histórico refúgio. Na sala os quadros estavam nas mesmas posições, uma mesinha continuava no canto do parede com Nossa Senhora - Fiz o sinal da cruz aliás -, o tapete era o mesmo de anos atrás. Por fora poderia ter mudado um pouco, mas por dentro havia a mesma energia e amor de sempre.

Cheguei na porta do quarto da minha mãe, os cabelos grisalhos e a pele queimada do sol de anos atrás mostrava a mulher batalhadora que ela sempre foi. Ela estava sentada numa poltrona na frente da janela, tricotando.

- Mãezinha? - Falo baixinho para não incomodar.

- Ah Ramiro, Tava esperando 'ocê, tanto tempo que num vejo meu fio', foi pra Nova Primavera e num voltou mais, mas num posso reclamar, 'ocê sempre foi um fio' querido e bondoso, manda todo mês um dinheirinho pra ajudar a comprar meus remédio' e eu criei 'ocê pro mundo mesmo. - Ela fala rouco.

- Ah minha mãezinha... - Falo emocionado - Eu queria ter vindo ver 'ocê, mas num deu, patrão não me dá folga nunquinha nessa vida. Desculpa. A benção? - Estendo a mão. 

- Deus te abençoe! - Ela coloca um sorriso no rosto. - Sei como aquele bruto é, como tá a vida lá, hein? Tem amigos? Ocê casou, namorou?

- Mãe... Melhor deixar isso pra outra hora, a gente vai ter tempo pra conversar. Mai' e a senhora? Como tá?  - Tento enrolar como se ela não me conhecesse.

- Tô bem fio', tô bem. Ocê num tá tão bem não, te conheço, parece que bebeu. Cuidado com essas estrada', viu seu Ramiro Neves? - Ela fala em tom sério mas divertido. 

- Ouviu... - Dou uma risadinha.

- Agora me leva pra cozinha, tô sentindo cheiro de café. - Não tinha quem segurasse dona Rosana e café juntos.

Levei ela até a cozinha e a sentei na mesa, me sentia feliz agora por ver ela, naquele momento eu mau lembrava de Kelvin, talvez aquilo fosse bom. Talvez ele estivesse preocupado mesmo assim. Havia várias ligações de Kelvin no meu celular e sinceramente eu não tinha cabeça para retornar, então mandei uma breve áudio, "Kevin', eu tive uns imprevisto' aí e num tô na cidade".

- Com quem 'ocê tá falando aí, Ramiro? - Minha mãe pergunta - É alguma namoradinha? 

- É um amigo, mãe. Saí da cidade sem avisar, aí ele disse que tava preocupado. - Falo um pouco desconfiado.

- Ah sim, qual o nome dele? - Parecia que ela se interessava pelo assunto.

- É Kevin', Kelvin na verdade. - Forço um pouco a voz. 

- Kelvin, gostei do nome, tem alguma foto dele? - Naquele momento ela me deixou um pouco sem jeito. 

- Acho que num tenho. - Na verdade minha galeria era lotada de fotos dele.

- Hum, sei. - Quando ela fala isso, sei que ela vai continuar o assunto mais tarde. - Agora bora tomar o café que a Carol fez.

- Já já ele toma, mãe. - Uma voz feminina fala. - Agora ele vai ali fora comigo, tanto tempo que num vejo esse meu irmão. 

Quando olhei para trás era a Marina, filha adotiva da minha mãe. Fazia tempos realmente que não nos víamos. 

- 'Ocê tá grande irmã, sai daqui cê era só uma pirralhinha, agora já é uma mulher. - Dou um abraço nela.

- Sim, uma mulher. E você também, viu? Cada vez fica mais homem, saiu daqui tão acabadinho, Nova Primavera te fez bem. - Ela me leva até a varanda. - Tava com saudades desse insuportável. 

- É... Insuportável é você.  - Dou uma risada.

- Nossa mãe tá quase partindo, ela te chamou por isso, diz que não vai demorar muito pra ela morrer e entristece nós tudinho. - Ela abaixa a cabeça. 

- Eu nem sei muito bem o que digo, mãe parece tão bem... mas prometo que vou cuidar de você quando essa hora chegar, a tia não sei o que ela vai querer. Ocê eu levo pra Nova Primavera. - Dou um beijinho na testa dela. 

- Ah... - Ela segura meus ombros - Te amo tanto... não poderia ter pessoa melhor comigo.

Embora a gente tenha sido criado como irmãos sempre achei a Marina muito estranha em relação a mim, mas nunca dei bola a isso.

Voltei para casa, minha mãe já havia tomado café e agora estava cantarolando uma música. Me sentei à mesa junto com ela.

- E então? Me fala um pouco do seu amigo Kelvin. Quero saber com que meu fio' anda. - Ela me encara.

- Ah mãe, o Kevin' é um rapaz lá de Nova Primavera, num é muito bom eu falar isso, mai' ele trabalha num bar. - Falo nervoso esperando a resposta dela.

- Num bar, hmm... - Ela me encara.


Simplesmente, 'ocê - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora