Malamente

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Fechando o casaco grosso de inverno até o pescoço, Charlie deu uma última olhada para se certificar de que tudo o que precisava para o dia estava dentro da mochila. Depois de verificar se o freio de mão estava acionado, ela segurou na maçaneta preta e saiu do carro, respirando fundo. O sol de janeiro brilhava timidamente no céu enquanto ela atravessava o estacionamento em direção ao prédio principal da fábrica, o vento frio que soprava despenteando os cabelos castanhos.

Ela fazia aquele mesmo caminho para trabalhar há um ano, desde que tinha trocado a McLaren pela equipe de Lawrence Stroll. Depois de quase uma década em Woking, Charlie sentiu dentro de si que precisava de uma mudança de ares. O ano que ela passou na equipe de corrida de Daniel Ricciardo, assim como a vitória dele em Monza, a fizeram perceber que ainda havia vontade de vencer dentro dela, mas que o lugar para isso não estava mais lá.

A oferta da Aston Martin foi uma bela surpresa que veio no verão de 2021. Com um salário impressionante, bons benefícios e a perspectiva de trabalhar em um projeto de longo prazo, Charlie não deixou a oportunidade passar. No entanto, a emoção de iniciar uma nova etapa na vida não tornou menos melancólica a despedida do time que foi sua família por nove anos.

O ano seguinte foi exatamente como Charlie imaginou, cheio de desafios por conta da adaptação ao novo ambiente de trabalho e aos novos colegas. Porém, tudo valia a pena pela chance de trabalhar com Sebastian Vettel, tetracampeão mundial de Fórmula 1.

Havia algo nele que era diferente dos outros pilotos com os quais ela tinha trabalhado. Sebastian era gentil e atencioso. Ele não se importava em passar longas horas revisando dados e vídeos, além de nunca deixar de agradecer pelos esforços dela. Ela nunca esqueceria os pães frescos cuidadosamente embalados e os potes de mel com os quais era presenteada. Aquilo era o suficiente para Charlie se sentir feliz por estar fazendo o que amava.

Bem, até aquele fatídico dia de agosto.

Ela se lembrava claramente de como a garganta começou a apertar e os olhos se encheram de lágrimas ao ouvir o anúncio da aposentadoria de Sebastian. No entanto, Charlie mal teve tempo de digerir a notícia antes de saber quem seria o novo piloto da equipe no ano seguinte. E ela tinha certeza de que o universo estava pregando uma peça de mau gosto nela.

Seu novo colega era Fernando Alonso.

De novo.

Ao entrar no saguão da fábrica, Charlie lembrou-se de como estava determinada a largar o emprego e se mudar para outra cidade, condado ou até mesmo país. Ela queria se distanciar o máximo possível daquele piloto e de qualquer coisa que a lembrasse dele. No entanto, ela se lembrou de algo que ouviu num certo domingo no Canadá, vindo de alguém que o conhecia bem.

Era 2015. Ela estava escondida entre dois motorhomes no paddock do Circuito Gilles Villeneuve, finalmente se permitindo chorar depois de lutar contra aquela vontade durante todo o dia. Lágrimas escorriam pelo rosto dela enquanto os soluços faziam seu peito doer. Aquele tinha sido, definitivamente, o pior dia da carreira dela.

—Charlie? — ela ouviu uma voz masculina à direita dela — Você tá bem?

Enxugando o rosto com as mangas da camisa branca e fungando, ela olhou para o lado, encontrando Lewis Hamilton olhando para ela. Ele usava um boné preto sobre os cachos que vinha deixando crescer há algum tempo, bem como uma camisa preta da equipe e jeans cinza, estilizados para parecer destruídos, ambos molhados em locais onde seus colegas da Mercedes provavelmente o haviam atingido com champanhe. Porém, sua expressão estava longe de ser a de uma pessoa feliz com o resultado daquele dia.

— Tá tudo bem, eu tô bem, Lewis — Charlie respondeu com a voz embargada — Foi só um... Dia difícil.

Ela não tinha mentido. Aquele domingo tinha sido um dos dias mais complicados que ela teve naquele ano. A equipe tinha chegado confiante ao Canadá, principalmente por conta do pacote de upgrades trazido pela Honda para o MP4-30, carro daquela temporada. Embora tenha gerado alguma esperança, foi a principal culpa para Charlie considerar deixar o emprego como engenheira de desempenho.

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