Moscow mule

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Charlie se sentia um pouco desconfortável enquanto seguia os colegas dela pela rua de paralelepípedos. Não era por conta do fato que ela era a única mulher do grupo, ou que eles estavam saindo para beber em plena terça-feira; era por causa de quem tinha planejado ir num bar em Jerez de la Frontera.

O convite de Fernando não surpreendeu Charlie, dada a atitude dele nos últimos tempos. Ele, além de tratá-la com mais respeito do que nos tempos da McLaren-Honda, parecia interessado em desenvolver algum tipo de amizade com ela. A princípio, ela pensou que ele estava a provocando, pela maneira como fazia tantas perguntas. Isto é, até a quinta-feira anterior.

Ela estava no setor dela na fábrica, sentada no cubículo, bebendo uma xícara de chá de limão e gengibre e assistindo a um vídeo on board de Fernando no Bahrein quando ouviu a voz dele no corredor. Charlie sabia que ele andava vindo à fábrica quase todos os dias para captações de vídeos e fotos para o departamento de marketing, bem como para sessões de simulador.

Voltando os olhos para a tela, que mostrava Fernando fazendo uma linha de trajetória de forma a evitar a zebra elevada no apex da curva oito, Charlie tomou outro gole de chá, num esforço para ignorar a aproximação dele.

— Oi, Charlie — ele a cumprimentou, se recostando na parede do cubículo dela. Seu cabelo parecia úmido e espetado em ângulos estranhos. "Ele devia estar no simulador", Charlie pensou.

— Oi — ela murmurou, tirando os fones de ouvido e pendurando-os no pescoço.

— O que você tá vendo aí?

— Sua corrida no Bahrein no ano passado — Charlie disse, colocando a xícara de chá sobre a mesa. Ele se agachou ao lado dela, com um braço apoiado na superfície.

— Gato fofo — Fernando disse. Ela virou o rosto para ele, completamente surpresa. Os olhos dele estavam fixos na foto de Ron, que estava colocada logo abaixo do calendário da temporada de corrida. — Eu tive um, uma vez.

Charlie ergueu uma sobrancelha.

— Você teve?

— Sim, o nome dela era Cleo. A Linda gostava de gatos e queria um pra fazer companhia pra ela.

— O que aconteceu? Ela morreu?

— A Linda?

— Claro que não, eu tô falando do gato.

— Não, não, ela tá muito bem. Ela tá com Linda na — ele fez uma pausa por alguns segundos — Argentina, eu acho. A Linda levou ela depois que nós terminamos..

Houve um momento de silêncio constrangedor entre eles.

— Você sente falta dela?

— Da Linda?

Charlie lançou um olhar de soslaio para Fernando, deixando óbvio que ela não se importava com a ex-namorada dele.

— Ah, da Cleo. Bem, um pouco, mas no fundo sempre preferi cachorros. Mais ativos, você sabe.

— Sim...

Houve outro momento de silêncio constrangedor enquanto Fernando continuava olhando a foto do gato laranja. Através dos fones de ouvido de Charlie, o guincho do motor Renault abafava as outras conversas no escritório.

— Qual o nome dele? — Fernando finalmente quebrou o silêncio.

— Nome dele?

— Do seu gato. Qual o nome dele?

Charlie franziu os lábios, percebendo o que ele estava tentando fazer. Ele estava tentando se aproximar dela, criar alguma camaradagem, ou pior, iniciar algum tipo de amizade. "Isto é só um truque sujo", ela pensou, se remexendo na cadeira.

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