Lo Hecho Esta Hecho

Noche fria

A última hora antes da corrida era sempre a mais agitada. Os mecânicos e engenheiros corriam de um lado para o outro, ajustando todos os detalhes para que ambos os carros estivessem prontos para o momento em que as luzes finalmente se apagariam. Porém, para Charlie, aquele era o momento em que ela falava pela última vez com Fernando antes que ele fosse para o carro se preparar para fazer o que mais amava. Ela procurou Fernando com o olhar, encontrando-o com o macacão já fechado até o pescoço. Ele estava tomando um dos géis de suplemento nutricional que ele usava sempre antes das corridas. A cabeça dele estava baixa, como se ele estivesse tentando se preparar mentalmente, mas algo nele parecia triste, quase desanimado. Charlie se sentiu horrível com isso.

Afinal, a culpa era dela.

Charlie não tinha percebido o verdadeiro impacto de ela ter fugido dele em Suzuka até atender o telefone de madrugada, uma semana antes. Ouvir Fernando bêbado e aos prantos, perguntando a razão pela qual ela não podia ser feliz com ele, foi como ter uma faca enterrada no próprio peito. Ele não merecia sofrer por conta do medo e da insegurança dela.

Buscando coragem onde não tinha, ela tratou de acalmar o piloto e direcioná-lo para que não sofresse tanto com a ressaca no dia seguinte. No fim, tinha ficado acertado que eles conversariam quando se vissem de novo, em Las Vegas. Uma semana parecia o suficiente para que Charlie pensasse no que dizer para Fernando quando os dois estivessem sozinhos novamente.

"Me perdoa por ser uma covarde. Me perdoa por ter medo de sentir algo tão avassalador. Me perdoa por não te amar como você merece ser amado. Me perdoa por não aceitar que mereço ser amada por você", ela repassava mentalmente toda vez que os olhos deles se encontravam. Entretanto, Charlie não encontrou qualquer momento para dizer aquilo.

A semana tinha sido completamente lotada de compromissos para os dois. Enquanto Charlie estava focada na coleta de dados para o desenvolvimento do carro do ano seguinte, Fernando tinha a dura missão de promover a corrida para o público norte-americano. E isso significava horas e mais horas de entrevistas, encontros com patrocinadores, almoços, jantares e brunchs. As agendas deles só batiam nas reuniões de engenharia e aquele, certamente, não era o lugar certo para discutir a relação deles.

A conclusão era óbvia: eles só teriam o tempo e a paz necessários depois da bandeira quadriculada. Isso não significava que Charlie estava mais tranquila, muito pelo contrário. A tensão fazia com que ela se sentisse constantemente nervosa, com vontade de vomitar toda vez que lembrava que eles precisariam ter uma conversa séria sobre seu relacionamento. Algo na ideia de Fernando não querer mais nada com ela fazia com que Charlie tivesse vontade de chorar.

"Foco", ela pensou consigo, olhando para os papéis que tinha preparado nas mãos com os últimos ajustes que tinha feito nas estratégias para a corrida. Aquele era o último detalhe que Charlie precisava repassar com Fernando antes que ele deixasse a garagem, mas ela ainda estava hesitante. Era como se houvesse algo errado no ambiente, algo fora do lugar que ela não sabia dizer o que era mas que a perturbava.

Respirando fundo, Charlie caminhou até o canto da garagem onde Fernando estava, tentando ignorar a sensação incômoda dentro do peito.

— Oi — ela disse, fazendo com que o piloto se virasse de repente.

— Oi — ele murmurou.

— Eu só queria repassar as estratégias de hoje e confirmar algumas coisas antes de testar o rádio.

Fernando acenou positivamente, largando o pacote de suplemento ao lado do suporte do capacete.

— Bem, como a gente conversou, seguimos com o plano A, começando de médios e mudando pra duros na janela entre as voltas 13 e 20. Porém, temos o plano B, em caso de safety car antes das 25 voltas, que é uma mudança para duros, e o plano C, em caso de safety car depois das 25 voltas.