Juro que

443 24 0
                                    

As luzes ofuscavam a visão de Fernando, o som alto de pessoas aplaudindo fazendo com que ele se sentisse completamente atordoado. O lugar o fazia recordar de um estúdio de televisão familiar, em que ele tinha estado algumas semanas antes, para promover a prova em Las Vegas. O que ele estava fazendo ali de novo?

"Espera um segundo... Por que eu tô em Madrid? Eu não deveria tá nos Estados Unidos?", ele pensou.

— Estamos de volta com Fernando Alonso, bicampeão mundial de Fórmula 1 e piloto da Aston Martin — ele ouviu uma voz familiar dizer ao lado dele. Quando virou a cabeça para a direita, ele conseguiu focar o olhar no rosto de Pablo Motos, apresentador do programa de televisão em que tinha aparecido alguns dias antes. Só que desta vez ele tinha um fone de ouvido verde escuro na cabeça.

Erguendo uma sobrancelha, ele estava completamente confuso. Porque ele estava usando um dos fones de ouvido da garagem da Aston? Pior, por que ele estava falando em inglês? Fernando pensou em cutucá-lo e perguntar quando ele havia aprendido inglês, já que ele sabia que Pablo não falava muito bem a língua. Ao estender a mão para dar um tapinha no ombro dele, ele sentiu uma pontada de dor na mão, como se algo tivesse perfurado a pele.

— Fernando, já falamos sobre a temporada, sobre a sua adaptação numa equipe nova, mas, precisamos falar sobre isso — Pablo disse, apontando para o telão que ficava à direita deles. As imagens fizeram com que algo no estômago dele revirasse.

Era uma foto do momento em que ele se encontrou com Charlie depois da vitória em Montreal. Desde o momento em que Fernando tinha cruzado a linha de chegada, ele só pensava em dividir aquilo com ela. Tinha sido ela quem tinha possibilitado aquele momento, aquela alegria. Charlie tinha acreditado nele mesmo quando ele achava que jamais poderia conseguir e o esforço tinha rendido frutos.

Porém, Fernando lembrou como se sentiu naquele momento da foto. O abraço deles carregava muito mais do que a alegria da vitória. Foi naquele momento, quando Charlie estava nos braços dele, rindo e enxugando as lágrimas, que Fernando percebeu que a amava.

— É, sou eu e a minha engenheira...

— Vocês dois são muito amigos, não é? — o apresentador perguntou, um sorriso um tanto sugestivo no rosto.

— Sim, a Charlie é uma grande amiga minha — Fernando respondeu, tentando afastar a sensação de que já tinha respondido aquela pergunta antes. "As pessoas perguntam toda hora sobre ela, é normal", ele pensou consigo, se remexendo no banco em que estava sentado — Ela tá sempre do meu lado, é os meus olhos do lado de fora do carro, por assim dizer.

— Bem, eu conheço duas... Acho que chamá-los de pessoas seria um exagero, mas eles estão muito interessados em discutir isso com vocês — Pablo disse, antes de se virar para o público, dando-lhes um sorriso bem ensaiado — Todos , por favor, uma salva de palmas para Trancas e Barrancas!

À sua frente, dois bonecos roxos claros com olhos esbugalhados e dentes amarelos erguiam-se de um espaço recortado na mesa de Pablo. Por alguma razão, Fernando nunca percebeu o quão cômicos eles pareciam, pretendendo ser uma impressão caricatural da aparência de uma formiga. Eles normalmente tinham algum tipo de adereço ou fantasia, mas desta vez Fernando ficou chocado quando cada um deles usava perucas marrons com cabelos longos e franja fina, com fones de ouvido verdes escuros na cabeça para combinar com os de Pablo. Um deles — Barrancas, o que tinha uma monocelha e dentes salientes — estava com o cabelo solto, enquanto o outro boneco, Trancas, que tinha uma expressão vazia e um único dente descentralizado, estava com a peruca presa em um coque bagunçado.

Eles estavam fantasiados de Charlie.

— Boa noite, boa noite! — Trancas disse, se virando para o público e balançando a cabeça, as pupilas chacoalhando humoristicamente em torno das cúpulas de plástico que formavam os olhos do boneco. Eles também falavam inglês, o que deixou Fernando ainda mais desconfortável.

Lo Hecho Esta HechoOnde histórias criam vida. Descubra agora