Migalhas de amor

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Fui despertada com o som irritante da campainha, pisquei diversas vezes ainda ouvindo o barulho repetitivo

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Fui despertada com o som irritante da campainha, pisquei diversas vezes ainda ouvindo o barulho repetitivo. Percebi que a televisão estava ligada em um jornal qualquer, a janela da sala estava aberta mostrando à noite chuvosa, me xinguei mentalmente por ter deixado aberta. O som irritante novamente me fez bufar de raiva, eu já sabia quem era. Todas às vezes que isso acontecia eu sempre dizia para mim mesma que nunca abriria a porta, contudo, eu sempre abria. Fechei a janela notando através do relógio pendurado na parede que já passava da meia-noite. Seguir em direção da porta sem me importar de está usando apenas meu pijama simples e folgado, ele nunca notaria mesmo. 

Assim que girei a maçaneta observei a expressão do meu melhor amigo, ele estava equilibrando-se para não cair. O segurei o puxando para dentro de casa, fechando a porta e o caminhei daquele jeito completamente encharcado para o sofá da minha sala. Observei o rosto embriagado, o cheiro intenso de álcool e os olhos piscando sem parar apenas constatando que ele não estava apto no momento para receber qualquer bronca. Eu dizia para mim mesma que não o levaria para o banheiro, não o trocaria com as roupas guardadas de outra pessoa. 

Contudo, novamente lá estava eu tentando puxá-lo em direção do banheiro. Ouvindo-o sussurrar o nome dela, dizendo que a amava. Todas às vezes que isso acontecia eu tentava não me importar. Contudo, novamente estava eu me magoando por ele, apenas por ser completamente apaixonada. E novamente estava ele embaixo do chuveiro chorando por causa dela. Por que eu sempre abria a porta sabendo no que ia causar em mim? 

 — Gina… — as lágrimas se misturavam com a água gelada. Eu sentia meu coração perder o compasso, a garganta sendo forçada a não deixar que nenhuma lágrima descesse. Evitava olhá-lo daquela forma, enquanto eu sofria por ele, ele sofria por outra pessoa. Era difícil vê-lo no estado que ele ficava toda vez que brigava com ela, no início eu sempre ficava preocupada com as constantes brigas daquele casal, eu me preocupava, implorava para que ele parasse com aquilo, afinal, o machucava. Ele não percebia a forma que eu ficava quando o via desabando de uma maneira que achei rápida demais? Porém, parei de falar quando ele a pediu em casamento. Queria rir da minha própria desgraça de ter caído naquele maldito clichê de ser apaixonada pelo melhor amigo. 

Harry era um menino pequeno e magrelo que conheci aos dez anos, eu instantaneamente me encantei pela cor daqueles olhos azuis, alegres e transparentes. Eu havia ganhado um amigo, alguém que sempre poderia contar. Apenas não sabia que iria cair em uma armadilha cruel de viver uma paixão platônica. Aos doze anos os hormônios e o corpo se desenvolveu e com ela o meu primeiro beijo sendo compartilhado com ele e o começo da minha desgraça pessoal. A partir daquele momento comecei a prestar a atenção nele como um crush ilusório. Contudo, ele estava com olhos vidrados em outra garota que ironicamente era também nossa amiga. 

Aos quatorze anos a ideia de mudar e se tornar mais feminina pareceu ser uma boa forma de conquistá-lo. Então, eu mudei. Fiz de tudo para ser notada como alguém interessante, contudo, ao vê-los se beijando me destruiu mais do que eu gostaria. Eu devia ter cortado o mal pela raiz naquela época, contudo, não conseguir ou uma parte de mim sabia perfeitamente que eu não queria. Ainda tinha esperanças que ficaríamos juntos. Eventualmente, a partir daquele momento tudo só desandou ao começo daquele romance. Eu tentei esquecer, você parecia feliz, porém, aos dezesseis anos não pensei que você pudesse ir tão baixo me deixando entregar para você meu coração, minha alma, meu corpo para o dia seguinte dizer que estava arrependido. Você não percebe que me magoou novamente? Claro que não. O pedido de guardar o segredo nosso ainda estava valendo até naquele momento. Você realmente esqueceu, foi tão fácil, tão simples que ver marcas de chupões no pescoço de Gina no dia seguinte apenas me machucou mais. 

Tentei seguir em frente, tentei ficar longe de vocês, porém, aos dezoito o nível de romance desceu água abaixo, eu sabia que as brigas eram constantes. Afinal, não foi por isso que você transou comigo? Contudo, vocês não se separavam. Eu via como você ficava, eu via a forma que ela ficava. Não perceberam que aquele amor não existia mais? Nesse instante comecei a perceber que meu amor por você só eu saberia, você Harry nunca conseguiu abrir mão dela, era tão viciado que mesmo após infinitas discussões, apenas iria para qualquer bar beber e parava na minha casa apenas para que eu o consolasse. Mas como observar o homem que tanto amei chegar naquele nível por causa de uma garota? 

Quando cheguei aos vinte estava mais aliviada de conseguir ficar mais tempo longe de você, ainda te amava, contudo, fiz novas amizades e perseverei para seguir o caminho da superação. Então, você casou aniquilando o resto de qualquer esperança que eu tivesse. Abolindo de vez qualquer pensamento que eu tivesse com você, destruindo qualquer chance  tentar um dia te amar e ser retribuída.

— Se segure Harry. — pedi após desligar o chuveiro. Antes minhas mãos tremiam ao retirar sua roupa, só que naquele momento posso dizer que já superei isso.  Após vestido e o ajudei a caminhar novamente para o sofá da sala vendo-o se deitar e rapidamente dormir. Peguei meu celular e já risquei o número decorado. — Oi, desculpa. Ele veio de novo. — não demorou para que a resposta viesse do outro lado da linha. Ainda encarando Harry dormir me lembrei que depois do seu casamento acontecer comecei a perceber que aquele ciclo vicioso se não fosse colocado um fim iria prevalecer eternamente. 

Foi o que eu fiz. 

A porta foi aberta vinte minutos depois, observei a roupa de moletom que Draco usava apenas afirmando que ele levantou as pressas. Meu namorado apenas encarou o homem dormindo no meu sofá e balançou a cabeça em negação, ele conhecia o tanto que eu já amei meu melhor amigo. Draco nunca desprezou os sentimentos que um dia existirão, ele foi meu amigo de verdade após tanto tempo, contudo, o que houve conosco havia um interesse mútuo. Pela primeira vez após tanto tempo vivendo um amor platônico eu me interessei por outro homem após uma pequena corrida matinal programada na praia. 

— Eu vou levá-lo e volto para cá. — Draco disse. 

— Tudo bem. 

Ele beijou meus lábios indo pegar Harry e acordá-lo o obrigando a andar, antes Harry apenas deitaria naquele sofá, beberia um café no dia seguinte e Gina me ligaria perguntando se tinha acontecido algo, afinal, não existia mais amizade entre nós duas há muito tempo, desde que seu ciúmes ficou possessivo. Eu também parei de me importar, e você tentou restaurar nossa amizade quando eu comecei a namorar mas naquele momento eu que não queria mais. De vocês dois ela foi a mais irracional, mesmo desconhecendo meus sentimentos eu nunca a trairia e suas acusações ainda estavam gravadas na minha memória. Naquele instante Harry estaria sendo deixado na sua casa e amanhã será um novo dia. 

[...]


Acordei novamente com o som da campainha, eu sabia quem era. Ao abrir a porta pude visualizar o rosto sonolento de Draco. 

— Eu não deveria ter ligado para você. — me desculpei o puxando para dentro de casa. A televisão já estava desligada enquanto caminhávamos para o meu quarto.

— Eu não me importo, meu amor. — deitamos na minha cama segundos depois. — Logo você estará muito longe e ele não vai conseguir bater na sua porta de madrugada. 

Sim, logo eu estaria longe. Casada com aquele homem que me amava e eu o amava de volta. Por muito tempo aceitei migalhas de amor, por muito tempo deixei que outra pessoa ditasse minha vida e comandasse meus sentimentos. Eu vivi um grande martírio até perceber que o amor de Gina e Harry morreu havia muito tempo e só uma grande e dolorosa obsessão os conectava de uma forma terrível. Além de aprender que eu deveria me amar em primeiro lugar, sempre.

Ninguém merece migalhas de amor. 

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