Nas terras sombrias de Sombréstia, no rincão do Povoado de Umbrafell, sob o véu de sombras que dançam ao vento, despertou a aurora do sétimo dia de outubro no ano de Nosso Senhor de 1620.
Selene
Contemplo os frascos de infusões, ungüentos e poções de ervas dispostos sobre a mesa na humilde casa de madeira que chamávamos de lar. Nas prateleiras, odres guardavam destilados e essências extraídas de plantas, raízes e animais, tudo meticulosamente preparado pela minha mãe. Enquanto eu zelava pelos ferimentos de um homem que havia resgatado na floresta, ela misturava um destilado, buscando aliviar a dor durante o processo de limpeza e cura das lesões.
Meu pai protestava veementemente, temendo trazer um possível inimigo para dentro de nossa casa, mas minha mãe jamais recusaria auxílio a quem necessitasse de seus cuidados. Cresci testemunhando o enfrentar das adversidades da vida por parte de meus progenitores. Minha mãe, uma herborista da aldeia, desempenhava silenciosamente seu ofício de curandeira e parteira, mantendo-o em segredo, pois a inquisição da sagrada igreja intensificava seus julgamentos e investigações, tornando-se cada vez mais difíceis de escapar.
Tudo o que sei foi transmitido a mim de maneira cuidadosa e minuciosa, com a intenção de que eu pudesse perpetuar todo o legado deixado por ela. Residíamos em uma modesta cabana, situada às margens da vasta floresta que servia como fronteira entre os reinos de Sombréstia e Valória, duas terras distintas em suas tradições e lições.
O reino de Valória destacava-se por sua justiça inclemente e por suas belas paisagens floridas e cristalinas. O monarca Erevan, desde sua juventude, governava com equidade e sabedoria, ao lado de sua majestade, a rainha Seraphina de Valória. Ambos eram abençoados com um filho, o único herdeiro, o príncipe Alden, cujas expectativas eram altas, tal como fora com seu pai.
O reino de Sombréstia, por sua vez, sempre foi envolto em sombras e segredos ocultos. Seus habitantes pareciam perpetuamente envolvidos em tramas sombrias e ares nefastos. Ao percorrer as estreitas ruas de pedras, podia-se vislumbrar uma multidão de indivíduos de feições diversas, movendo-se furtivamente pelas sombras do reino. O monarca, Rei Geoffrey, revelava-se um homem solitário e egoísta, que não desperdiçava oportunidades de se sobrepor a seu único irmão, o Duque Lucius Shadowthorn. Geoffrey buscava constantemente humilhá-lo, destacando a obrigação de obediência que o irmão lhe devia enquanto estivesse sob sua presença. O duque, por sua vez, nunca se mostrou inclinado à inocência, e sua alegação de vitimismo era circunscrita apenas à presença de terceiros. Por trás da fachada abatida e da pose de um homem virtuoso, ocultava-se uma figura fria e calculista, sempre à espreita de oportunidades para promover seus próprios interesses. Poderia até enganar a maioria dos Sombrestianos, mas não a mim.
Ainda ecoam em minha memória os dias em que encontrei e amparei o forasteiro, a quem desde então tenho dispensado zelosos cuidados.
Ao raiar da aurora, envolto em minha capa e portando uma cesta de vime, montei meu corcel e me dirigi à feira do povoado de Solhaven, situado nos domínios do reino de Valória. As cores vibrantes, os aromas envolventes, os sons e as histórias contadas pelo povo envolviam-me como um feitiço. Tudo parecia encantador e diferente, transportando-me para um mundo à parte, distinto de Umbrafell, o vilarejo onde residíamos, enraizado no reino de Sombréstia.
Pelo menos uma vez a cada lua, embarcava nessa jornada em busca de ervas e especiarias, aprimorando nossas práticas curativas em prol da saúde dos camponeses que nos procuravam em busca de alívio para suas dores e enfermidades.
A feira de Umbrafell permanecia proibida para mim, sendo um território que apenas minha mãe se atrevia a explorar. Confesso que em algumas ocasiões arrisquei-me pelas ruelas e vielas do local, utilizando a escuridão natural ao meu favor. Em um desses dias, escapei por um triz de tornar-me mais uma vítima da crueldade da máfia local. O desafio proibido exerce sobre mim um encanto irresistível, enquanto o perigo sussurra uma sedução constante.
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Duquesa de Umbrafell ( Primeiro Livro da Duologia FILHA DA ESCURIDÃO)
RomanceQuando ao invés da princesa, o príncipe se apaixona pela bruxa...