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Mariella foi à Itália uma vez, aos sete anos

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Mariella foi à Itália uma vez, aos sete anos. O irmão ainda não tinha nascido e a condição financeira dos pais era um pouco melhor na época. Ela se lembrava de ter visitado uns tios distantes em Milão, mas nada mais que isso. Naquela época, ela já entendia que a relação do pai com o avô não era das melhores. Ela já tinha ouvido conversas exaltadas ao telefone, em um italiano apressado que ela ainda não entendia muito bem. Nunca tinha conhecido o avô e o pai também não falava sobre ele.

Quando o pai morreu alguns anos depois por complicações de uma doença cardíaca, Mariella, a mãe e o irmão recém-nascido ficaram por conta própria.

Em uma noite de chuva forte quando ela tinha quatorze anos, a energia da casa caiu. O computador de Mariella desligou quando ela estava no meio de um capítulo da sua história, o irmão não conseguia ver mais seus desenhos na TV e a mãe não podia corrigir as provas dos seus alunos porque eles não tinham velas em casa. Então os três se aconchegaram no sofá da sala e ficaram contando histórias. Por algum motivo, Mariella achou que ou perguntava sobre o pai naquele momento, ou nunca mais teria coragem de falar sobre aquilo. Isso porque, sempre que o mencionava perto da mãe, ela via a dor estampada no rosto dela. E Mari não a queria fazer sofrer. Nunca.

- Mãe, por que o papai não gostava do pai dele?

Ela não conseguia ver o rosto da mãe na escuridão, mas sentiu quando o corpo dela ficou tenso ao seu lado. Mas ela não fugiu da pergunta.

- Sabe, Mari, na verdade, o seu avô nunca gostou de mim. - A mãe suspirou. - Quando eu viajei pra Itália anos atrás com a minha melhor amiga, eu conheci seu pai e a gente se apaixonou rapidinho. Não conseguíamos ficar longe um do outro. Eu estendi minha viagem o máximo que conseguia. Eu até trabalhei em Montefiori para cobrir os custos de vida e tudo mais. Mas eu precisava voltar. Minhas férias da faculdade estavam acabando e eu precisava ficar com a minha família aqui. Então o seu pai - ela riu baixinho, uma risada alegre que Mariella não ouvia há um bom tempo - o seu pai simplesmente disse que ia vir para o Brasil comigo. E ele veio.

Dessa parte Mariella sabia. O pai sempre foi muito apaixonado pela mãe. Parecia orbitar ao redor dela como os planetas faziam em torno do Sol. Se Mari acreditava tão fielmente no amor, era porque tinha visto a prova de que ele era real desde que nasceu.

- Mas o seu avô não gostou nada disso. A família dele sempre foi muito tradicional e rica. E o seu pai era filho único. Seu avô não gostou nada da ideia de perder o filho para uma brasileira que mal tinha onde cair morta.

- Mãe! Que horror...

A mãe riu.

- Mas é verdade. Eles brigaram e o seu pai veio para o Brasil mesmo assim. Ele até tentou se aproximar ao longo dos anos. Convidou seu avô para o nosso casamento e para o seu batizado, mas ele se recusou a vir. No fim, Paolo desistiu. Aquilo só trazia sofrimento.

Mariella engoliu em seco antes de falar com raiva:

- Ele não veio nem para o enterro do papai.

A mãe ficou em silêncio por um tempo, as palavras pesando no escuro.

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