Capítulo 4

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A brisa úmida e pesada soprava do mar e dos bosques emaranhados e verdejantes da faixa verde. Riki voou em sua moto a jato para a Orange Road, a linha divisória que separa Flare (Área 2) de Janus (Área 6).

Ele estacionou sua moto como sempre fazia em uma garagem especializada nos arredores da Cidade Roxa e caminhou sozinho pela calçada. As ruas estavam banhadas pela luz do sol, atravessada por sombras escuras. Ainda não era meio-dia e o tráfego de pedestres estava tranquilo. Como consequência, o jogo familiar de luz e sombra caindo dos aglomerados de edifícios lhe pareceu incomumente apático.

Com os turistas ainda se recuperando de suas noitadas, esta foi talvez a hora mais tranquila do dia. Observando tudo de relance, Riki continuou seu passeio.

Era também a melhor hora do dia para atravessar as fronteiras entre as zonas de Midas e ainda manter o limite de velocidade. E a melhor hora do dia para dar um passeio, apreciando as ruas limpas e sem lixo. No início, tudo isto lhe causou uma espécie de mal-estar, fazendo-o tropeçar um pouco. Mas agora já estava bem habituado.

Ele saiu da via principal para uma rua lateral. Riki aguçou seus sentidos despreocupadamente ao passar pela porta dos fundos de uma farmácia legalizada 24 horas. Era a entrada reservada aos correios. Um movimento da palma de sua mão direita abriu e fechou a porta.

O escritório de Katze ficava no subsolo.

Riki recebeu uma mensagem de Katze duas horas antes. Como não havia indicação de que era um trabalho urgente, Riki apareceu no horário normal, dez minutos antes do horário agendado.

O subsolo era acessado por meio de um elevador feito sob medida, sobre o qual parecia que todos tinham uma opinião:

"Ninguém mais usa uma porcaria velha como esta."

"Cara, não consigo entender por que o chefe gosta dessas coisas antiquadas."

"É sério, já deu o que tinha de dar. Está na hora de trocá-lo pelo modelo mais recente."

Era impossível obter peças de substituição para o antigo elevador eléctrico, a não ser por encomenda especial.

A razão pela qual Katze — que era a encarnação da capacidade e da racionalidade —, se preocupava tanto com esta antiguidade era um mistério. Riki inseriu a chave do cartão que havia conseguido com Katze e as portas do elevador abriram. Ele pisou pesadamente na plataforma e a porta se fechou. A maneira como balançava para frente e para trás era familiar para ele agora, e provocou um leve bocejo.

Riki não sabia quantos andares abaixo do nível da rua ficava o escritório de Katze. Não havia painéis ou luzes indicadoras no elevador para especificar o andar. O elevador simplesmente parava onde Katze tinha construído sua fortaleza, e isso era tudo que Riki realmente precisava saber, então ele não deixou que isso o incomodasse.

O elevador não era o fim das esquisitices no escritório de Katze. Mais do que apenas simples, Katze baniu de seu ambiente tudo o que fosse frívolo, improdutivo ou inútil. Seu escritório era como uma caixa preta inorgânica. Não importa quantas vezes Riki viesse, isso ainda o abalava.

Katze lhe parecia uma aberração obsessivo-compulsiva. A vibração estranha do lugar fazia com que ele se sentisse constantemente desequilibrado. Por outro lado, por mais desconfortável que a sala fosse para Riki, que estava mergulhado no caos das favelas até à alma, a atmosfera claramente andrógina do escritório era um complemento perfeito para a personalidade de Katze.

Com as mesmas raízes, nas mesmas favelas, toda vez que Riki ia até ali, ele não conseguia deixar de sentir a distância entre eles. Esta devia ser a diferença entre um homem realizado e os seus subordinados.

Ai No Kusabi - The Space Between by Rieko YoshiharaOnde histórias criam vida. Descubra agora