Capítulo 3

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A favela é um monstro que devora a alma dos jovens e cospe os ossos.

Alguém deve ter dito isso uma vez ou outra, pois todos os moradores da Área 9 sabiam por experiência própria que era a mais pura verdade. No entanto, aqueles que tentaram sair das favelas foram recebidos com um desprezo profundamente enraizado e uma inveja mais mordaz do que um homem comum poderia imaginar.

Apodrecendo aos poucos sem que ninguém viesse ao seu socorro, os vagabundos envelheciam — pois não lhes restava nada além de envelhecer — não tinham sonhos para consumar. Isso não era necessariamente bom ou ruim. A realidade do dia a dia, que era sua única herança, era pior do que comer areia.

No entanto, eles despejaram insultos caluniosos sobre aqueles que tentavam destruir essa realidade dolorosa, uma reação que impiedosamente corroeu a alma. Esse era o dilema.

Um homem não pode voar sem sonhos, mas um homem que nunca voou nunca conheceu o medo de cair. Qualquer esperança de progresso foi abandonada. Embora essa verdade não estivesse escondida de ninguém, essas pessoas cortavam suas asas e as jogavam fora, dizendo que, se não o fizessem, certamente morreriam.

A realidade que formava as "paredes" das favelas era tão densa e a escuridão tão negra assim.

Consequentemente, aqueles que ousavam desafiar aquelas paredes, mesmo sabendo que seriam derrubados, eram ironicamente chamados de "marcianos", em homenagem ao deus romano da guerra*. Bebendo até a depravação em acessos de autopiedade, aqueles que se escondiam atrás dessas palavras sabiam que os sapatos desses "marcianos" nunca serviriam para eles.

Riki uma vez disse a mesma coisa várias vezes, como uma frase de estimação. Ele expressou seus verdadeiros pensamentos apenas para Guy, o parceiro que era sua "cara metade". Algum dia eu vou dar adeus às favelas. 

Até então, todos que expressaram os mesmos sentimentos e deixaram as favelas para trás voltaram com o ânimo e os ombros caídos depois de apenas um mês. Mas sem um pingo de medo, Riki colocou convicção em suas palavras e olhou para o futuro.

Algum dia. Com certeza.

***

Quatro anos antes.

Três meses haviam se passado desde que Bison tinha se separado inesperadamente como um avião se desintegrando no ar. Tarde da noite, Riki cambaleou para a casa de Guy.

— Ei, você está bem?

Assim que abriu a porta, Guy notou o hálito carregado de álcool e teve que se virar. Mesmo que bebesse, Riki não exagerava, mas naquele momento, ele cheirava como alguém que tomou banho de álcool.

Ver Riki nesse estado despertou em Guy um alto grau de ansiedade. Antes mesmo de convidá-lo para entrar, Guy deliberadamente b franziu as sobrancelhas. 

— Riki, o que está acontecendo?

Claramente não dando a mínima para sua própria condição, Riki se inclinou para frente, cambaleante, os cantos de sua boca se erguendo.

— Um presentinho. — disse ele, pressionando algo contra o peito de Guy.

Guy tinha ouvido os rumores, mas quando se tratava de uma imitação, para não mencionar o original, aquela marca de cerveja preta ostentava preços astronômicos que nem mesmo Deus poderia pagar. Ele engoliu em seco. 

— Onde você conseguiu isso? — perguntou com a voz rouca.

Riki riu com um sorriso reprimido. Poderia ser a original, ou uma imitação caseira de algum lugar decadente. Olhando para os lábios frouxos e boca desleixada de Riki, Guy não conseguia entender o que ele estava pensando. Como se quisesse cortar sua ansiedade pela raiz, ele falou com cuidado.

Ai No Kusabi - The Space Between by Rieko YoshiharaOnde histórias criam vida. Descubra agora