Capítulo 2

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A cidade metálica de Tanagura.

A escuridão cobria a cidade; a fantástica, grotesca cidade que nunca dormia. A metrópole monstruosa do outrora empobrecido sistema estelar de Amöy agora intimidava até mesmo a Comunidade. Era uma cidade que não conhecia a diferença entre dia e noite, que não dava um respiro que não fosse cronometrado ao milésimo de segundo. Não permitia nada imprevisível em seus limites, como se o abuso do tempo em si fosse reservado como o mais doce dos prazeres.

Tanagura era exquisita. Enorme em escala e ainda assim governada com um funcional esteticismo livre de excessos, sua aparência por si só irradiava um poder avassalador.

No entanto, reinando em seu próprio direito estava Midas, em guerra com Tanagura no extremo oposto da "beleza". Entre os dois havia um abismo intransponível.

***

Os arredores de Tanagura. Área 3 de Midas. Mistral Park. Doze e meia da noite.

Kirie aguardava dentro de uma suíte de hóspedes de alta classe, empoleirada acima do aglomerado de prédios. Fora da janela, os faróis e lanternas traseiras dos carros aéreos lançavam seus feixes através da escuridão sombria.

— Então, isso é Tanagura. — murmurou Kirie. — Esse lugar é enorme pra caralho. — Ele estava impressionado. A extensão interminável da noite se abria diante de seus olhos. — Faz toda aquele néon de Midas parecer coisa de criança. Acho que não importa o quão alto você suba, sempre tem alguém mais alto.

Em um lugar e tempo diferentes, outro vira-lata da favela havia expressado exatamente o mesmo sentimento. Kirie não podia dizer se isso constituía um bom ou mau presságio.

Ele estava em um grande quarto cercado por paredes de marfim e espessos tapetes. O branco realçava o tom azul escuro dos móveis e conferia um sentido de luxo ao espaço. Cada centímetro do recinto estava impregnado com uma aura limpa e antisséptica, e um silêncio agradável preenchia o ambiente.

Ainda havia algum tempo até o compromisso deles... mas Kirie tinha chegado cedo antecipando uma visita do homem. Embora Kirie desejasse um contato mais frequente, não havia como. As chamadas eram breves e unilaterais. Tudo o que Kirie tinha para se agarrar eram esses poucos fios que poderiam ser cortados a qualquer momento.

Vir até aqui para receber o tão aguardado comunicado deixou Kirie com uma sensação arejada de exaltação. Um sentimento de conquista brotou dentro dele. E ainda assim…

À medida que o tempo passava, Kirie inevitavelmente percebia o quão insignificante era sua própria existência. Como se para repentinamente desviar o olhar dessa realidade, ele soltou um pequeno suspiro. Acostumado apenas com as ruas sujas e sombrias da colônia de Ceres, cada imagem refletida em seus olhos se tornava outra sedução.

Este era o lugar ao qual ele pertencia. Kirie estava muito consciente disso. Mas quando dirigiu sua atenção para a janela oposta, encontrou o rosto cintilante de uma noite pouco familiar. Iluminações alegres tingiam a escuridão, e os Bairros do Prazer se exibiam sem vergonha como de costume. O brilho bem-acostumado de Midas permanecia uma visão excepcional, sua luminosidade cintilante permanecendo com ele, por algum motivo.

Que se foda essa merda, preciso de uma boa cerveja preta.

Kirie estreitou os olhos sonhadoramente. Esta era a terceira vez que ele ficava diante das janelas deste arranha-céu, olhando para as luzes de Midas. O local designado para a reunião era diferente das vezes anteriores, mas a floresta de néon cintilante abaixo dele continuava a deslumbrar e enfeitiçar.

A primeira vez que ele viu os redemoinhos de luz nunca visíveis de Ceres, Kirie ficou sem palavras diante do espetáculo avassalador a sua frente. Ele nunca tinha entrado em contato com uma beleza tão magnífica. Isso fez seu coração acelerar e arder em seu peito. Seu primeiro verdadeiro choque cultural o deixou sem fôlego; ele ainda se lembrava da tremenda excitação que o fez estremecer.

Ai No Kusabi - The Space Between by Rieko YoshiharaOnde histórias criam vida. Descubra agora