Capítulo 4
Eu cheguei lá, na casa onde eu praticamente me criei, cheia de malas. Quero dizer, eu cheguei no saguão da pousada. Porque a nossa casa, propriamente dita, era mais afastada. Num canto distante do terreno da pousada. Quase colada à casa vizinha, a casa da dona Clara, a mãe do Estevão. Apenas separada dela por um murro baixo de tijolo que eu facilmente pulava quando criança.
Fazia agora mais de um ano que a dona Clara falecera, e na última vez que eu visitei minha mãe e meu padrasto, havia uma placa de "Vende-se" em frente do portão baixinho de madeira branco da antiga casa dela. Mas hoje, a placa não estava mais lá. Não que eu estivesse prestando atenção nessas coisas. Eu apenas passei pela casa e não a vi lá. Então, eu deduzi que ela tinha sido vendida. E pensando bem, havia uma toalha marrom pendurada no varal.
Então alguém estava morando lá, na casa onde eu costumava brincar com o Estevão dos seis aos treze anos. Até ele parar de ser meu amigo.
- Filha! Você chegou! - minha mãe largou o cliente que ela atendia no balcão e correu para me abraçar - Fredi! - ela gritou. E um jovem garoto que eu não conhecia apareceu rapidamente e pegou as minhas malas - Leve as coisas da minha filha lá para minha casa. - minha mãe ordenou - E você fica aqui, Melissa. Que nós precisamos conversar. - e ela foi terminar de atender o cliente me deixando parada ali, no meio da recepção, com um sentimento intenso de nostalgia.
Eu estava voltando para a minha antiga casa. Para a minha antiga cidade. E para o meu antigo quarto com as paredes ainda cor de rosa. Para o meu antigo quarto, em que havia a minha antiga janela branca, onde eu costumava me debruçar para ver a casa do Estevão, que agora não era mais a casa do Estevão, e sim de algum outro morador.
Nostalgia. Eu estava de volta.
Mas eu estava mais velha. E eu me sentia muito velha. E feia.
É incrível como um marido gay pode acabar com a auto estima da gente.
- Pronto, filha. Vamos para casa. Você demorou para chegar, eu estava começando a me preocupar. Eu ouvi no rádio que ouve um acidente na estrada.
- Foi tudo bem, mãe. - eu disse, com um sorriso cansado. Nós saímos da recepção da pousada, e íamos caminhando até a casa - Só tinha um pouco de trânsito demais.
- E você está com fome? Você demorou tanto, e como a gente não conseguiu falar contigo no celular, e não sabíamos que horas você vinha, então a gente já jantou. O Bernardo, inclusive, já foi para casa. E eu fiquei aqui, te esperando.
- Eu comi alguma coisa mais cedo. Não estou com fome. Eu só queria um copo de leite antes de dormir.
- Leite eu tenho em casa. Aliás, eu comprei a tua marca preferira.
- Ah, é? - eu sorri para ela. Eu não fazia ideia de qual era a minha marca preferida de leite, mas provavelmente a minha mãe sabia.
Entramos em casa. Eu abracei o Bernardo, o meu padrasto. Era incrível que mesmo com mais de sessenta anos ele ainda continuava atraente. Tipo o Cary Grant no filme Ladrão de Casaca. Porque o Cary Grant, mesmo coroa, era um gato. Mas havia rumores... Rumores que nunca serão confirmados ou negados, porque ele já morreu há alguns anos. .. Rumores que ele era gay. E não! Eu nunca mais - eu juro! - vou me sentir atraída por um gay! E se existisse um radar anti-gay que custasse um milhão de dólares, eu juro, mas juro mesmo, que eu daria um jeito de comprar! Mesmo que para isso eu tivesse que morar embaixo da ponte! Porque daí, pelo menos morando embaixo da ponte e dona de um radar anti-gays, eu arranjaria um mendigo-namorado não gay. E seria feliz com ele.
Eu sentei no sofá da sala com os dois, - na sala que continuava quase a mesma da época em que eu e a minha irmã corríamos por aí de um lado ao outro -, e contei a eles sobre a minha despedida da clínica. Foi triste. Ela agora pertencia ao Pablo e ao Alberto que perante aos outros, por enquanto, eram apenas sócios. Por enquanto porque o Pablo me contou, enquanto eu fingia não me importar, que ele estava querendo assumir o namoro para todos. Que inclusive já tinha até conversado com seus pais, e que não tinha sido tão ruim como ele esperava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Flor de Mel (completa)
ChickLitSinopse: Quando a nossa vida desmorona, é inevitável parar para pensar: "E se eu tivesse feito outras escolhas...?" "Eu se eu tivesse agido diferente..?" "E se eu não tivesse sido, por exemplo, tão impulsiva?" Há coisas que realmente não podemos mud...