Capítulo 17
Na segunda-feira o Estevão não voltou para casa. Eu telefonei para ele no final do dia, para ver como andavam as coisas, mas ele disse que não podia conversar e que me ligaria assim que fosse possível. E ele estava falando comigo meio que em código, como se não quisesse que alguém próximo a ele soubesse com que ele conversava. O que me fez pensar que provavelmente a Deise estivesse ao seu lado. Então eu optei por não ligar mais, por mais curiosa que eu estivesse, para não atrapalhar.
Mas, estranhamente, eu não senti ciúmes da Deise. Era como se algo dentro de mim tivesse a certeza que eles tinham terminado de vez. E que agora só o que ainda os ligava era a criança. E eu desejei, do fundo do meu coração, que as coisas dessem certo para os três. Mas não tão certo a ponto do casal reatar, é claro.
Então, na quarta-feira eu fui atender alguns pacientes no consultório daquela outra dentista, a Fabiana, e só voltei para casa no final de tarde. E quando eu cheguei, o carro dele estava na garagem, e as luzes da casa estavam acesas. E eu fui para direto para lá, logo após estacionar o meu carro.
- Mel. – ele disse ao abrir a porta, exibindo um sorriso cansado para mim. Como se os dois últimos dias tivessem sido totalmente desgastantes para ele. – Eu ia te ligar daqui a pouco.
Ele entrou em casa e eu o segui, olhando meio surpresa para os lados. Era como se um furacão tivesse passado pela sala, que era a primeira peça que eu via. Malas estavam abertas no chão com roupas reviradas, que eu logo vi que eram roupas infantis, havia brinquedos por todos os lados, e entre eles uma bola de futebol que me fez lembrar dos tempos em que eu jogava com o Estevão. E, no meio daquela bagunça, eu enxerguei um menino, que estava abrindo tudo, como se procurasse por algo.
- Ele está procurando seu álbum de figurinhas dos super heróis. Eu comprei um monte de figurinhas para ele – o Estevão explicou.
E então o menino parou o que fazia, e ergueu a cabeça para mim, com uma expressão tão séria que me lembrou do Estevão naquela idade, quando ele ficava brabo comigo.
- Quem é ela, pai? – ele perguntou, parecendo totalmente desgostoso por me ver aqui.
- Uma amiga do pai, Ivan. E ela é nossa vizinha. – ele disse, chegando ao lado do filho, e ficando de joelhos ali no chão com ele.
- Eu não quero ela aqui, pai. – ele disse, e seus olhos me encararam como se pudessem me fuzilar. Pelo jeito, ele tinha puxado o gênio do Estevão– Eu quero que ela vá embora, pai. Tem que ser só nós dois! Só nós dois!
- Tudo bem, filho. – o Estevão disse e então se levantou e foi até a minha direção. Eu ainda estava parada na entrada da sala, sem saber o que fazer. – Mel, desculpa. – o Estevão disse, falando bem baixinho para o Ivan não ouvir. – Ele passou por poucas e boas. Quando nós o encontramos, ele estava sozinho na casa. Ele tem até queimaduras nos braços. A Deise sabia que não podia usar nem os cartões de crédito, e nem o talão de cheque, porque senão eu a acharia. Então ela arranjou um emprego, só que como ela não trabalhava há anos, e não tinha quase nenhuma referência, ela só conseguiu trabalhar como atendente de uma lanchonete, ganhando uma ninharia. E como ela não podia pagar ninguém para ficar com o Ivan, e nem conhecia ninguém para ajudá-la, então ela saia e deixava o meu filho sozinho em casa. Imagina, uma criança de cinco anos sozinha em casa.
- Oh! – eu olhei para o Estevão com pesar, sem saber o que dizer.
- O detetive seguiu a pista que você me deu – e eu pude ver o agradecimento em seu olhar, apesar do cansaço e da melancolia – Ela trabalhava ao lado do local onde você contou que almoçou. E então ele a seguiu e encontrou a casa deles. E eu fui para lá também, só que esperei até o outro dia, quando ela saiu e deixou meu filho sozinho. E então eu entrei na casa com o detetive e levei até o meu advogado junto, para poder provar que a Deise era uma mãe negligente. Não que eu desejasse que alguma coisa ruim acontecesse com ela, eu só queria o meu filho de volta. E o Ivan correu até a minha direção, e se jogou nos meus braços, e disse: "Papai, eu sabia que você viria me buscar! A mamãe disse que não, mas eu não acreditei nela." E ele tinha uma queimadura bem feia num dos braços, porque disse que estava com fome no dia anterior e que, como a mãe dele não chegava nunca, ele tentou cozinhar, colocando uma panela com salsicha no fogão. E ele me contou que na hora que ele foi pegar a salsicha, a água estava quente e respingou nele e doeu. Só que a Deise sequer o levou para o hospital para ver o machucado, mesmo com o meu filho se queixando de dor, porque ela temia que eu os encontrasse. E ela admitiu, quando me viu, que só estava fazendo aquilo tudo para me atingir. Que ela me odiava e não queria me deixar ficar com o meu filho. – ele continuava falando bem baixinho, para que o Ivan não nos escutasse.
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Flor de Mel (completa)
ChickLitSinopse: Quando a nossa vida desmorona, é inevitável parar para pensar: "E se eu tivesse feito outras escolhas...?" "Eu se eu tivesse agido diferente..?" "E se eu não tivesse sido, por exemplo, tão impulsiva?" Há coisas que realmente não podemos mud...