Capítulo 5
Droga. Ainda estou sentada no chão, sem ânimo de me levantar. Mas tenho que limpar o leite.
O leite derramado. E como diz aquele velho ditado: "Não adianta chorar sobre o leite derramado..." E não adianta, também, chorar sobre uma amizade perdida. Mesmo que tenha se passado muito anos. E que, mesmo assim, ainda doa.
***
Eu estava com treze anos e tinha passado um verão maravilhoso na praia. Minha prima também estava lá, ela era mais velha, tinha quatorze. E ela fazia parte de uma turma muito legal e me apresentou para todo mundo. E foi tão maravilhoso! Nós saímos quase todas as noites. Descíamos para o calçadão e nos encontrávamos nos barzinhos com a galera. De vez enquanto rolava um pagode, e eu descobri o quanto adorava dançar. E não só isso. Naquele verão, eu descobri várias outras coisas. Como por exemplo: o quanto era bom beijar na boca.
Beijei meu primeiro carinha naquelas férias. E o segundo e o terceiro também. E não só isso: eu me descobri como menina,e não mais como uma moleca. Subir em árvores? Já não me atraia mais. Jogar futebol com os meninos, como eu fazia antes? De jeito nenhum! E arriscar estragar minhas roupas novas?
Naquele verão, eu descobri os sapatos de salto. As blusas mais justas. A mini saia. Eu descobri a maquiagem, os acessórios, os brincos e pulseiras. E eu descobri que, se eu me arrumasse um pouquinho melhor, os meninos viravam o pescoço para me verem passar. E aquilo era bom.
Muito bom, por sinal. Até aquele momento eu não tinha percebido isso, mas eu adorava fazer com que os meninos me olhassem, e assobiassem para mim. Eu me sentia bonita.
Uma das meninas da turma da minha prima da praia era da minha escola, olha só que coincidência! Ela estava um ano mais adiantada do que eu e tinha quatorze anos. E como nós nos demos muito bem, a Janaína prometeu me apresentar para todos os amigos dela da nossa escola. Ela disse que tinha vários colegas gatinhos. Me falou alguns nomes, mas acho que eu nunca tinha prestado atenção neles, porque eu não fazia a menor ideia de quem eles eram. E ela também não sabia quem era o Estevão, quando eu contei sobre ele. Falando nisso, como ela podia nunca ter prestado atenção no Estevão? Devia ser porque ele era mais novo do que ela, e porque ele só andava comigo e era mais quietinho. Porque o Estevão, gatinho como era, era bem difícil de passar despercebido.
E a propósito, já que estamos falando sobre isso, eu tenho que confessar uma coisa. Desde que eu comecei a prestar atenção nos meninos de uma forma diferente, e percebei que eles não serviam só para jogar bola ou para concorrer nas manobras de skates, como eu fazia antes, eu sempre fantasiei - e por favor, não conte isso para ninguém! - que meu primeiro beijo seria com o Estevão. Mas ele era muito infantil. Muito mais do que eu, apesar de ser um mês mais velho. E parecia bem mais interessado em chutar as minhas canelas do que em me beijar. E também, aquelas roupas que eu usava, do tipo camisetão e tênis sujo, acho que não ajudavam muito.
Mas agora, que eu estou bem mais bonita nas minhas roupas novas, talvez ele me note como menina, e não só como portadora de um corpo com canelas boas para se chutar. Porque, mesmo se ele me implorar de joelhos, eu não vou mais jogar futebol com ele. Não que eu tenha medo que ele chute minhas canelas com muita força, apenas porque eu não me interesso mais por futebol.
Então, eu voltei para casa. Mas só um dia antes das aulas começarem. E como eu cheguei muito tarde, não deu para eu procurar o Estevão. Mas uma das funcionárias da pousada disse que o Estevão já tinha ido lá várias vezes atrás de mim. Só que era muito tarde, de noite, e minha mãe não deixou que eu fosse até a casa dele.
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Flor de Mel (completa)
ChickLitSinopse: Quando a nossa vida desmorona, é inevitável parar para pensar: "E se eu tivesse feito outras escolhas...?" "Eu se eu tivesse agido diferente..?" "E se eu não tivesse sido, por exemplo, tão impulsiva?" Há coisas que realmente não podemos mud...