Capítulo Cinco

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Tio Diego anuncia que eu sou a ganhadora da caça, me dá os dois bilhetes do passeio a barco e todos me aplaudem. Sinto um deja-vú com essa cena que não acontecia há três anos.
Entramos em casa, jantamos e em seguida começamos a comilança de torta de pera e outras sobremesas. Caroline fica do meu lado por um tempo, mas depois vai à varanda onde seus avós estão, sei que deixamos nossa rixa de lado, mas é estranho quando estamos juntas. A ferida ainda não foi curada para ambas e entendo que seja natural.
Tomo meu rumo e vou para a sala de estar onde minha prima Karen está com sua namorada.

─ Que cara é essa? ─ Karen pergunta quando me sento no sofá da sala, só agora percebi que minha testa está meio franzida como se eu estivesse confusa.

─ Ah, a de sempre. ─ Dou de ombros e me sento em uma poltrona de frente para as duas.

─ E sua saúde? ─ O pessoal da minha família simplesmente não diz a palavra "TOC", eles inventam qualquer outro termo semelhante para a palavra. O motivo? Realmente não faço ideia.

─ Você diz o TOC?

─ É.

─ Está sob controle, estou sem os remédios há onze dias.

─ Isso é ótimo, mas o que está te irritando? Ganhou dois passeios de barco e ainda está de mau humor? ─ Karen sorri e come um pedaço de torta. ─ Quem vai levar? A Caroline?

─ O quê? Nem fodendo. ─ Digo com relutância.

─ Ué, por quê? Vocês não estavam juntas há uns quinze minutos?

─ Nunca nos demos bem, só resolvemos dar um tempo na nossa rixa.

─ Ah é? Porque pra mim tá rolando uma tensão sexual entre vocês. ─ Karen diz e meu rosto cora, a imagem do meu sonho maluco vem à minha mente involuntariamente. ─ Eu tô zoando, olha como ela ficou vermelha. ─ Karen dá uma gargalhada e eu jogo uma almofada nela.

─ Para de mexer com a garota, Karen. ─ Luísa diz. ─ Para mim ela gosta do Tomas, olha lá. ─ Ela aponta para a janela, Tom e Caroline estão sentados no corrimão da varanda conversando animadamente, como mais cedo.

─ Tom? Aquele gay? ─ Karen se diz confusa.

─ O quê? ─ Pergunto.

─ Ele nunca disse para ninguém, e nem sei até quando  vai esconder isso, mas me contou no natal do ano passado. Disse que estava apaixonado por um garoto da escola, mas tem medo do tio Diego brigar com ele por isso.

─ Sério? Ele não é bi? ─ Pergunto.

─ Nope, ele disse que gosta de homens e finge ser hetero para ninguém desconfiar. ─ Karen olha para ele na varanda comendo torta e sorrindo. ─ Não finge muito bem.

Lembro bem do dia que tia Bete revirou os olhos quando Tom disse que tinha interesse em Caroline, acho que ela já sabe sobre Tom.

─ Filhota, vamos embora. ─ Tia Paola aparece na sala com uma cesta cheia de sobras de comida e sobremesas e tio Eric ao seu lado.

─ Não podemos ficar para dormir?

─ Não, o Bernardo já vai ficar aqui com as crianças, você sabe a algazarra que vai ficar. Inclusive, amanhã eu tenho que trabalhar cedo.

─ Tudo bem. ─ Karen diz e se levanta, Luísa faz o mesmo.

Dou um abraço em todos eles e depois em Gina e William, os dois também iam pegar a estrada. Eles vão  e eu continuo na sala assimilando o que Karen acabou de me dizer. Tom gay? Nunca imaginei isso. Então por que ele cogitou a ideia de namorar Caroline? Será que realmente era para despistar? Se foi, deu certo. Mas e se ela estiver gostando dele? E senão, ela sabe que ele é gay? E se sabe, por que eu não sei?
Os pensamentos começam a embolar na minha mente e não vejo outra opção a não ser dormir. Dormir resolve quase todos os problemas.

        ...

Acordo no horário de sempre, ainda estou de vestido e com o delineado manchado. Me levanto e tomo um banho, visto roupas frescas e vou tomar café. Meus tios estão lá fora, mas o café está posto sob a mesa, pego um pedaço de bolo e uma xícara de café puro.  

─ O que deu em você ontem? ─ Tom entra na cozinha,  seu rosto está meio amassado e seu cabelo bagunçado. Provavelmente acordou agora.

─ Por quê?

─ Dormiu sem falar com ninguém, eu e a Carol fomos no seu quarto para ver se estava bem e você estava dormindo de vestido e maquiagem.

─ Eu sei, eu me cansei muito. Olha só, não precisei virar amiga da Caroline, afinal, vocês estão se dando bem.

─ Argh. ─ Tom senta de frente para mim. ─ Não vem com isso, somos apenas amigos. ─ Um alívio me irrompe por dentro, Tom é realmente gay, isso me alivia.

─ Jura? Não queria ser namorado dela?

─ No passado, conversei com ela e vi que ela não é para mim, assim como não sou para ela. ─ Ele dá de ombros. ─ Acho melhor assim.

─ Se está dizendo.

─ E vocês? Estão se entendendo?

─ Não, só conversamos casualmente. Nada de mais. ─
Sinto vontade de falar a Tom sobre a cápsula do tesouro que achei, mas é algo tão pessoal, prefiro esconder isso por enquanto. Do mesmo modo que ele não quer me dizer sobre sua orientação.

       ...

Depois do café da manhã eu e Tom brincamos com nossos primos mais novos, Rafa, Daniel e Maya no chão da sala, construímos um castelo de lego, jogamos jogos de tabuleiro e outras coisas. Após o almoço, tio Bernardo arruma as malas para ir embora e então a casa volta a ficar calma, saio para passear no quintal e admirar o sol de dezembro. Vejo Caroline vir em minha direção mas desvio o olhar até que ela esteja à minha frente.

─ Oi. ─ Ela diz sem graça.

─ Oi, se veio procurar o Tom ele está no quarto tentando tocar guitarra.

─ Quê? Vim procurar você. ─ Ela franze as sobrancelhas. ─ Não acha que tenho algo com ele, acha?

─ Não. ─ Digo com indiferença.

─ Espero que não esteja achando mesmo, porque estou correndo de garotos. ─ Garotos.

─ E garotas? ─ Digo involuntariamente e ela dá um sorriso travesso.

─ Não sei, Estela. Isso é do seu interesse? ─ Ela ainda está com o sorriso travesso nos lábios e tento ignorar a situação. Não queria nem ter amizade com Caroline, quanto mais flertes.

─ Não. ─ Minhas bochechas coram. ─ Não mesmo. Por que veio até mim?

─ Porque quero conversar com você. ─ Ela para de falar e pensa durante um tempo. ─ Acho que vou precisar da sua ajuda.

O Verão DepoisOnde histórias criam vida. Descubra agora