Tom dá a partida no carro do seu pai e a fazenda fica para trás. Agora já são quase duas da tarde, imploramos ao tio Diego para que ele deixasse Tom nos levar à cidade para passearmos um pouco, e depois de muito custo ele cedeu.
Estou no banco do passageiro ao lado de Caroline, ela está usando um macaquinho jeans com uma blusa branca por baixo e eu estou usando minhas roupas típicas de verão short jeans e uma camiseta. A atmosfera dentro do carro é tão nostálgica, junto ao sol infiltrando pela janela, me faz lembrar da época em que eu viajava com meus pais. Sempre eu estava com um caderninho na mão fazendo cronogramas ou guias turísticos do lugares que íamos conhecer.
─ Sabe onde está nos levando, Tomas? ─ Caroline pergunta.
─ É claro que sim, tenho um óculos escuro, água com gás e gps, o que pode dar errado?
─ Concordo, está super equipado. ─ Caroline sorri. ─ Agora a Estela sabe de você?
─ Que sou gay? Claro. ─ Tom sorri. ─ É tão bom pronunciar isso sem medo de estar cometendo um crime.
─ Se fosse crime ia valer a pena mesmo assim. ─ Caroline diz enquanto olha a paisagem através da janela. ─ Ser livre para amar é bom.
─ Parece até que está apaixonada falando desse jeito. ─ Tom diz e eu encaro Caroline, ela sorri levemente. Será que ela está apaixonada mesmo? Sinto um aperto no coração ao pensar nisso, mas ignoro e foco na paisagem verde.
─ Talvez, quem sabe. ─ Ela dá de ombros e vejo que Tom me encara.
─ E você, Estela? ─ Tom me pergunta.
─ Eu o quê? ─ Pergunto de mau humor e ele sorri quando percebe o motivo. Ele está achando que estou com ciúmes de Caroline, é isso?
─ Está apaixonada?
─ Estou, pelo Vitor. ─ Digo sem muita convicção. Eu gosto do Vitor, mas gosto da companhia e das suas conversas, não sei se dizer que estou apaixonada é o certo.
─ Foi o que pensei. ─ Tom diz e ficamos em silêncio por um tempo, até que ele assobia e prossegue com a conversa. ─ Então, vou convidar o Marcos para ir lá em casa semana que vem, ou no natal. O que vocês acham?
─ Acho que você já enrolou demais, já passou da hora de assumir esse relacionamento, Tom. ─ Digo. ─ Como vocês se conheceram? ─ Nunca pensei que Tom poderia se apaixonar por um homem e imagino qual seja o contexto dessa paixão.
─ Então, ano passado ele se mudou para a minha escola, os pais dele também são agricultores, por isso procuraram o interior. E aí começamos a conversar, descobrimos muitas coisas em comum e uma afinidade sem igual. Daí algum tempo começamos a ficar sem compromisso, porém, nos apaixonamos pra valer.
─ Fofo. Vocês têm tudo para dar certo. Quando você se descobriu gay?
─ Isso é desde que eu me entendo por gente. ‐ Tom sorri. ─ Mas consegui disfarçar bem, não é? Eu era meio heterotop.
─ Quê? ‐ Caroline sorri incrédula. ─ Assim que vi você pela primeira vez já saquei que você jogava pro outro time.
─ Você é uma exceção, Carol. Eu não sei que espécie de ser humano você é.
Estou começando a ficar com sono, só se passou vinte minutos e o tempo parece se arrastar lentamente, apoio a cabeça na janela e fecho os olhos.
─ Ei, pode se apoiar em mim, se quiser. ─ Caroline diz.
Olho para ela e com cuidado me apoio em seu ombro, ela é cheiro de frutas vermelhas, tardes chuvosas, mpb, jardim de tulipas, céu estrelado e conversas até tarde. Me apego a todas essas sensações e apenas esqueço de tudo ao meu redor e me perco em mim mesma. Sinto uma saudade tão grande do passado, sempre achei que crescer era muito difícil, deixar de brincar, deixar algumas amizades, esquecer de momentos bons, de boas sensações, de como coisas simples me podem fazer feliz. Penso em como eu queria parar no tempo e congelar tudo de bom que já vivi. O futuro é tão assustador e incerto. Sempre tive medo de não suportar as mudanças e me tornar infeliz, e quando descobri o TOC me senti pior, pensei que isso poderia ser um impedimento em alcançar meus objetivos. No entanto, durante esse tempo na fazenda estou percebendo que ter o diagnóstico é apenas um detalhe e que sou muito mais que isso. Sou única e tenho vontades como qualquer um. Eu sei que passou apenas uma semana, mas sinto que depois do verão serei eu mesma. O verão depois será diferente de todos os outros.
─ Estela, chegamos. ─ Caroline diz e massageia meu ombro de leve, acordo do meu transe e volto a realidade, estamos no estacionamento do museu. Queria que a viagem fosse mais longa.
─ Ótimo. ─ Digo e saímos do carro.
Ao atravessarmos a entrada, o som dos nossos passos ecoa no piso de mármore. O museu é grandioso e elegante, com colunas altas e janelas amplas que permitem que a luz natural ilumine toda a extensa coleção de obras-primas em exposição. A atmosfera é tranquila e os poucos visitantes se movem silenciosamente pelo espaço.
─ Qual seu movimento artístico preferido? ─ Caroline me pergunta. ─ Sei que ama arte.
─ Como sabe? ─ Pergunto surpresa.
─ Eu já te disse que você não era invisível na escola, né? ─ Ela dá de ombros. ─ Sempre vi como interagia nas aulas de arte.
─ Gosto do impressionismo e surrealismo. ─ Digo olhando em volta, há tantos quadros aqui, queria ver um por um.
─ Podemos ir nessa sala, sabe eu não sou sensível à arte, mas vou tentar ter um olhar artístico. ─ Tom diz.
─ Não precisa, é só se conectar com a obra, ela sempre vai te transmitir uma mensagem.
Entramos na sala que havia obras do impressionismo, meus olhos brilham quando vejo obras de Washington Maguetas e de Eliseo Visconti.
─ É lindo. ─ Tom diz, analisando as obras, todas são de paisagens e coisas do cotidiano. A forma como são retratadas deixa a percepção da vida mais simples. Mostra a beleza do que é normal e que achamos tão normal que não olhamos com atenção.
Ficamos algum tempo ali e depois vamos para outras salas, como do surrealismo, romantismo e renascentismo. Depois dessa tour vamos ao segundo pavimento do museu que leva a uma sala com obras especiais, utilizadas na semana de arte moderna de 1922. E outra com algumas de Picasso.
─ Ele amava retratar mulheres, né? ─ Tom diz e olha meio estranho para a pintura de Picasso. ─ Nuas.
─ É só uma pintura, Tomas. ─ Caroline dá uma gargalhada. ─ Mas relaxa, se não quiser não precisa ver nenhuma pessoalmente.
─ Trouxa. ─ Tom empurra Caroline de leve. ─ Mas não quero. ─ Ele abaixa o tom de voz e quase diz como um sussurro, mas eu ainda escuto e finjo não prestar atenção. ─ Diferentemente de você.
─ Cala a boca. ─ Caroline diz ainda sorrindo.
Quando acabamos de olhar as obras, saímos do museu e vamos à lanchonete mais próxima para comermos algo. Comemos hambúrguer com batata frita e milk-shake. Depois vamos de carro até o cinema da cidade, como é dia de semana está praticamente vazio, mas é ótimo, porque podemos ficar nos lugares da frente.
─ Particularmente nenhum me agrada. ─ Tom olha os cartazes, depois de uma longa discussão decidimos ver uma animação da Disney.
Não compramos nada de comer, porque já comemos, então pagamos o ingresso e vamos para a sala de cinema. Nos movimentamos com dificuldade até chegar na frente, Caroline pega minha mão para que eu não a perca e me pergunto se realmente é necessário (dá para ver as pessoas se movimentando) ou se ela simplesmente quis fazer isso. Fico com a ideia da segunda opção.
Ficamos na terceira fileira e me sento entre Tom e Caroline. O filme começa a passar e automaticamente o sono bate, deito minha cabeça no ombro de Caroline e ela passa os braços por trás do meu pescoço, é tão bom tê-la perto, mas não sei se eu deveria gostar disso. Pego sua mão livre e comparo com a minha, ela observa o movimento e entrelaça nossos dedos. É uma sensação boa, mas não sei se deveríamos estar fazendo isso.
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O Verão Depois
Teen FictionEstela anseia por um último verão perfeito antes de concluir o ensino médio. No entanto, seus planos são abruptamente alterados quando sua mãe a obriga a passar as férias na casa de sua tia, localizada no interior. A situação se agrava ainda mais qu...