O dia amanhece bonito, perfeito para um passeio ao ar livre. Fico a parte da manhã lendo um livro e relaxando um pouco. Às vezes tenho pensamentos intrusivos e sinto ansiedade, tenho vontade de recorrer aos remédios para aliviar os sintomas e sinto vontade de ir embora para casa. Todo o tempo que estou aqui tenho que me manter ocupada, porque se eu ficar muito tempo parada começo a pensar demais. Vivo em um loop infinito de que podia estar fazendo mais para lidar com o TOC, mas também não consigo sair do lugar. É horrível.
Largo o livro na cama e desço para almoçar com meus tios, em seguida me arrumo para fazer a trilha. Visto roupas de frio (no bosque tem muitos mosquitos), passo repelente e coloco meu kit sobrevivência na mochila, além de água e algumas frutinhas picadas, caso eu sinta fome.
─ Ei, onde está indo? ─ Tom desce as escadas assim que saio pela porta da sala.
─ Vou fazer uma trilha com a Caroline. Quer nos acompanhar? ─ Não perguntei sobre Tom a Caroline, e acho estranho que ela não o tenha incluído. Tudo bem que a lista é algo pessoal, mas os dois parecem se dar muito bem, não entendo porque ela não disse nada a ele ainda.
─ É claro que sim, só preciso trocar a roupa.
─ Tudo bem.
Depois de alguns minutinhos Tom volta usando botinas e uma calça jeans, além de um binóculo no pescoço.
─ Vocês estão se dando melhor do que eu pensava. ─ Atravessamos a porta.
─ É o que parece né? ─ Digo seca, não quero prolongar esse assunto por enquanto. É o terceiro dia que mantenho contato com a verdadeira personalidade de Caroline, e se ela mudar de repente? Podemos muito bem nos afastar. ─ Já andou pelo bosque?
─ Poucas vezes. ─ Tom diz e começamos a andar pela estradinha que nos leva até a casa dos avós de Caroline. ─ Acho selvagem demais, você sabe que eu não cresci aqui. Eu era da cidade e embora faça uns dez anos que estou vim para cá, não é a mesma coisa que ser criado no interior.
─ Entendo como é, a gente nunca deixa de sermos nós mesmos, não é? ─ Digo, mas isso é uma mentira horrível. Durante toda minha vida, vivi reprimida e escondida atrás de uma garota nerd, mas que na verdade não se sente fazendo parte de nada. Já Tom, esconde sua sexualidade dos pais, embora eu desconfie que Tia Bete saiba. Ele não se sente seguro sendo ele mesmo, assim como eu.
Quando chegamos em frente a casa dos avós de Caroline, ela já está à nossa espera, usando um conjunto de frio e com uma mochila nas costas.
─ Um intrometido mesmo. ─ Caroline sorri quando vê Tom e eles dão um aperto de mão como se fossem amigos há muito tempo.
─ Você quer roubar a minha prima é isso? ─ Tom brinca e eu reviro os olhos.
─ Ela nem é tão legal assim. ─ Ela brinca, vira para mim e estende a mão para me cumprimentar. ─ Como vai, Torres?
─ Bem, Caroline e você? ─ Aperto sua mão.
─ Ótima. ─ Soltamos as mãos e ela começa a caminhar. Tom e eu a seguimos. ─ Vamos lá.
Começamos a trilha, Caroline parece tão acostumada com o lugar que se movimenta com facilidade entre as árvores, é como se ela tivesse decorado cada uma.
Tom e ela começam a conversar animadamente e eu fico quieta no meu canto apenas observando a paisagem e me concentrando em contar os passos, dessa forma evito o nó que se forma em meu estômago ao ver os dois interagindo. Ele é gay. Penso, mas queria entender porque afirmo isso tantas vezes. Acho que pelo fato dele ser como um irmão para mim e ela uma amiga, talvez? Por muito tempo ela roubou toda a atenção da escola para si e seja como for, isso ainda me afeta de alguma forma, e se Tom deixar de ser o que é comigo?─ Estela, você está bem? Se quiser, podemos voltar. ─ Tom pergunta preocupado, finalmente percebendo que estou mais quieta do que o normal.
─ Sim, só estou aproveitando a tranquilidade da floresta. ─ Forço um sorriso.
─ Estamos quase chegando no coração da floresta. ─ Caroline diz.
Finalmente depois de mais alguns minutos de caminhada, paramos diante um lindo lago, a paisagem é mais aberta aqui e parece ser uma outra parte da cachoeira. A água é cristalina e ao fundo pode-se ver várias pedrinhas brancas.
─ Vou tirar a água do joelho, já volto. ─ Tom diz e desaparece no matagal.
─ Você tá legal? ─ Caroline pergunta.
─ Estou.
─ Você está quieta, por que o Tom mencionou de voltarmos? Tem algo de errado?
─ Nada para se preocupar, relaxa.
─ Vamos entrar na água?
Eu não tinha pensado nisso, não trouxemos roupa de banho e eu não estou nem um pouco afim de ficar seminua na frente de Tom. Enquanto ainda penso, Caroline corre até a borda e pula na água.
─ Vem, Esté. ─ Ela grita.
─ Esté? ─ Sorrio com o apelido. ─ Ok.
Caminho até a borda e analiso a água, é bonita e tentadora. Pulo em algumas pedras e depois entro na água. Demoro para me acostumar à sensação das roupas grudadas no corpo.
─ Sério que você me chamou de Esté? ─ Digo e ela revira os olhos sorrindo.
─ Foi involuntariamente.
─ Bola de canhão. ─ Tom aparece de repente e pula na água.
Ficamos jogando conversa fora e mergulhando, até que começa a cair alguns pingos de chuva então saímos rapidamente da água e pegamos nossas coisas.
─ Algo que tenho contra no verão são as chuvas, mineiro não tem um dia de paz. ─ Tom diz quando começamos a fazer o percurso de volta. Os pingos de chuva são inofensivos e acredito que não vai pra frente.
É estranho estar na companhia de Caroline, nunca esperei que isso pudesse acontecer. Eu a odiei o ano todo e agora não sinto tanta raiva mais e fico surpresa ao saber que por trás daquela garota debochada e arrogante, existe uma garota um pouco sensível e totalmente arrependida. Na verdade, acho que ela está no seu momento mais vulnerável e sinto até um pouco de alívio de estar presente nisso, acredito que ela ainda tem muito a evoluir.
Quando chegamos novamente à fazenda, Tom se despede e vai embora na frente.
─ Amanhã podemos ir ao cais? Graças a mim você tem dois bilhetes.
─ Pode ser, ele vai? — Pergunto.
─ O Tomas? ─ Assinto com a cabeça. ─ Acho que não, ele quer que a gente se entenda.
─ A gente já está se entendendo. Ele sabe do trote?
─ Não. ─ Ela diz constrangida. ─ Não tive coragem de dizer.
─ Tudo bem, te vejo amanhã. ─ Digo e começo a me afastar. Estou aflita para tomar um banho morno, minhas roupas estão ensopadas e estou começando a sentir frio.
─ Até amanhã, Torres. ─ Ela sorri de leve e me observa ir embora.
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O Verão Depois
Teen FictionEstela anseia por um último verão perfeito antes de concluir o ensino médio. No entanto, seus planos são abruptamente alterados quando sua mãe a obriga a passar as férias na casa de sua tia, localizada no interior. A situação se agrava ainda mais qu...