A Cabana...

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Naquele instante, um sopro de desespero me envolveu, e a culpa se travou em meu peito, um nó apertado que não me deixava respirar. O que teria acontecido se eu realmente tivesse matado aquele homem? A frigideira pesava nas minhas mãos, e o eco do impacto ainda ressoava na minha mente. O que eu faria agora? Fugiria, deixando-o desfalecer com seu próprio sangue, ou correria para ajudá-lo e, ao mesmo tempo, arriscaria minha chance de escapar? E justo agora, quando o céu se encobriu de nuvens cinzentas e a neve começou a cair, uma angústia me consumia. Meu coração batia descompassado, como se o medo se tivesse materializado, me corroendo por dentro. Enquanto andava de um lado para o outro, vislumbrava mil cenários catastróficos, quando, de repente, ouvi um movimento vindo dele.

— O que aconteceu? — a voz dele mal conseguia escapar entre os lábios, fresca como a neve que caía lá fora.

Num misto de pavor e desespero, sem pensar, acertei-lhe a cabeça novamente com a frigideira. O som do impacto ecoou como um trovão no meu coração.

— Ai meu Deus, fiz de novo! — balbuciei, a tremedeira tomando conta de mim. — Eu... eu...

Decidi, já tomada por uma onda de compaixão e nervosismo, que precisava ajudá-lo. O vento uivava lá fora, e a tempestade de neve intensificava-se. Com dificuldade, arrastei o homem até o sofá, colocando-o cuidadosamente ali, como se manejasse um delicado cristal frágil. Coloquei os cachorros para dentro, mesmo sabendo que eles eram mais assustadores do que reconfortantes, e me apressei em resguardar o cristal em um canto aquecido da cabana. Acendi a lareira, a chama dançando com calor, enquanto pensava na possibilidade de ambos congelarmos àquela amarga noite de novembro.

As freiras, com suas vozes suaves e sábias, haviam me ensinado o básico sobre como cuidar de feridas, mas, àquela altura, o que eu encontrava eram apenas algumas garrafas de uísque sucateadas. Com uma faca, cortei roupas velhas e desbotadas da cabana, improvisando ataduras em meio à nevasca que se intensificava. Limpei os pedaços de pano encharcados de sangue, a angústia crescendo a cada segundo. Finalmente, encontrei a ferida, e ao passar o uísque, vi que ele começou a se mover. Um alívio momentâneo, mas logo seguido de uma preocupação apavorante: e se ele acordasse furioso, sedento de vingança por duas pancadas na cabeça?

Ele era forte e eu, apenas uma sombra com um pouco de conhecimento de luta. Observando-o mais de perto, percebi detalhes que antes não via: cabelos castanhos como mel derretido, um maxilar forte, e lábios que pareciam ter sussurrado segredos de um mundo que eu não conhecia. Enquanto pressionava o ferimento para estancar o sangue, sem querer perdi a noção do tempo, até que nossos olhares se cruzaram.

— Está gostando do que está vendo? — perguntou, e suas palavras soaram como um eco naquelas paredes frias.

Meu coração disparou, e, assustada, joguei-me para longe dele, atingindo acidentalmente a lareira, queimando meu braço. A dor me fez soltar um gemido involuntário.

— Ai, hm! — resmunguei, a queimadura pulsando.

— Bem feito, isso é carma por me dar duas pancadas na cabeça! — ele riu, um som que misturava dor e ironia.

— Você entrou sem avisar! — retorqui, a bravura disfarçando meu embaraço.

Ele ergueu uma sobrancelha, ainda com um semblante de deboche.

— Preciso de permissão para entrar na minha própria cabana?

— Você sabia que havia alguém aqui! Por que não perguntou quem era? — insisti, minha voz baixa quase um sussurro.

— Pensei que você fosse um ladrão. Estão acontecendo muitos roubos ultimamente!

O olhar dele se suavizou, mas a tensão ainda pairava no ar.

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