Francis

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Enquanto meu pai se dedicava à restauração do reino, devolvendo ao povo o que lhes era de direito e conquistando lentamente sua confiança, eu me afundava cada vez mais nos labirintos dos meus próprios pensamentos. O peso do que fiz com Francis era um fardo insuportável que me assombrava constantemente. A comida e a bebida que eu deixava para ele permaneciam intocadas, um lembrete cruel e silencioso da distância que eu mesma criei, do meu erro irreparável. Cada detalhe daquela fatídica decisão se repetia em minha mente, noite após noite, como um ciclo interminável de culpa. Temia que, ao tentar corrigir um erro, estivesse me transformando no próprio monstro que sempre temi ser.

E então havia Philip. Seu desaparecimento só alimentava minhas dúvidas, intensificava minhas incertezas. Dias se passaram sem que eu soubesse dele, e minha mente se perdia em cenários sombrios. Será que ele havia voltado para casa? Será que simplesmente sumiu de minha vida, como um sopro levado pelo vento? Ou estaria ele lidando com seus próprios demônios, assim como eu? Milhares de vezes pensei em escrever-lhe, mas sequer sabia para onde enviar minhas palavras. Pior ainda, o que eu poderia dizer? Como expressar o que sentia sem parecer frágil ou desesperada? A distância entre nós crescia a cada pensamento não dito.

Em busca de alívio, decidi caminhar, talvez na esperança ingênua de que o movimento pudesse me libertar das correntes sufocantes desses pensamentos. Fui até onde os guardas treinavam. Observar seus movimentos precisos, as espadas cortando o ar com precisão mortal, me dava uma falsa sensação de controle. Algo que eu vinha perdendo há tempos. Talvez, um dia, eu pudesse aprender a me defender também. Não apenas dos inimigos à minha volta, mas de mim mesma.

Perdida nesse mar de pensamentos, fui subitamente arrancada de minha introspecção por um dos guardas que se aproximou com uma reverência respeitosa.

— Vossa alteza, perdoe-me a interrupção, mas a senhorita tem uma visita — anunciou ele, a voz firme, sem qualquer traço de hesitação.

Minha criada, sempre atenta, se aproximou, mas foi a presença do guarda que me trouxe de volta à realidade. Soltei um suspiro pesado, o ar parecia mais denso ao meu redor. Ao me virar, vi Philip. Meu coração disparou, uma mistura caótica de alívio e raiva se formou dentro de mim. Onde ele esteve durante todos esses dias? Por que se afastou sem uma única palavra? E, mais perturbador ainda, por que, agora que ele estava diante de mim, o vazio dentro de mim persistia, intocado?

— Obrigada, pode se retirar — falei ao guarda, mantendo a formalidade, enquanto lutava para manter minha compostura.

Philip fez uma reverência simples, mas elegante, e ficamos ali, imóveis, nos encarando em um silêncio que parecia uma parede intransponível. Havia tanto a ser dito entre nós, tantas palavras sufocadas, e, no entanto, o silêncio era esmagador. Parecia que qualquer palavra poderia quebrar algo frágil entre nós.

E então, quase ao mesmo tempo, murmuramos:

— Oi.

A risada que se seguiu foi nervosa, desajeitada, carregada de tensão. Nós dois sabíamos que as coisas tinham mudado. Não éramos mais os mesmos.

— Você sumiu por um tempo, Philip — murmurei, tentando manter a voz baixa, mas o rancor se infiltrava, difícil de conter.

Ele hesitou antes de responder, e o peso de suas palavras parecia estar além do que ele conseguia carregar.

— Desculpa, Meg. Eu... tive que resolver muitas coisas. Também tenho um reino que depende de mim — sua voz era grave, marcada por algo que eu não conseguia decifrar, um segredo talvez, uma preocupação que ele mantinha trancada.

Dei de ombros, fingindo desinteresse, mas por dentro, meus pensamentos corriam em círculos. O que ele estava escondendo? Será que ele também carregava o peso da culpa, assim como eu? Ou haveria algo mais, algo que ele não ousava me dizer? A distância entre nós parecia mais vasta do que nunca, como se estivéssemos a quilômetros de distância, mesmo estando a poucos passos.

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