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21h25.
  Ao final do jogo corri - ou tentei - pela multidão alvoroçada. Assim que cheguei no estacionamento avistei Matt sentado na mureta de concreto.
  Seus cabelos castanhos estavam brilhando por causa da luz. Me aproximo com cuidado, não tenho a menor noção se  está bravo ou não. Melhor não arriscar.
- Matt? Você sumiu depois do jogo. Está tudo bem...? -Ele levanta a cabeça me encarando. Tenho medo do que vai dizer.
- O treinador me dispensou da temporada. - Suspiro alto. 
- Não. Ele pode fazer isso? - Uma enchurrada de palavras sai da minha boca sem controle nenhum.
- Você jogou tão bem...quer dizer, Matt, ele tem a peça principal do time nas mãos. E vai te dispensar! - Começo a andar em círculos pelo lugar com as mãos na cabeça, isso só pode ser uma piada. Só quem é muito estúpido perderia um retornador como meu irmão.
- Eu posso falar com a mãe da Charlotte, ela é diretora da escola, e te adota, com certeza vai querer ajudar. - Matt tenta falar mas estou tão nervosa que não paro de falar.
- Skye? Deixa eu terminar de... - Volto a falar de novo.
- Se não der certo com a Shirley, vamos falar com o papai e a mamãe, mas talvez você pode entrar no Sethgold, Dylan deve saber quando começa as seleções aposto que o Fedrick vai te valorizar de verdade. - Matt me segura pelos ombros. E, então eu calo a boca.
- Eles me dispensaram, por que me ofereceram uma bolsa integral na UM Skye. - University of Michigan. Outro estado. Longe de mim, de casa, de todos. Me sento na mureta ainda atordoada. Nem sei o que pensar, muito o menos o que dizer agora. E isso nunca acontece. Matthew percebe e me questiona.
- Você não gostou? Pensa, lá vou poder jogar, fazer o que gosto para me sustentar. - Eu sei. Sei que isso é exatamente o que ele...que a gente sempre sonhou. Matt ainda não tinha feito a inscrição para nenhuma faculdade, ele já terminou o ultimo ano. Essa era a oportunidade que estávamos esperando todo esse tempo. Mas não consigo ficar cem por cento feliz com isso.
- Claro que estou feliz por você, é claro que estou muito feliz. É só que a Um fica em Detroit, há umas 11h de carro de Boston.  - Ele assente, mas sorri alegre.
Tento sorrir mas acho que ficou parecendo uma careta estranha.
- Mas nossos pais estão na África, outro continente, eu só vou estar a algumas horas de casa. Vocês vão poder me visitar em todos os feriados, a não ser os que Jay ficar com preguiça. - Dou risada. E abraço Matt que agora ficou mais distante.
21h39.
Caminhamos juntos pelo estacionamento conversando.
Matt fica fazendo planos e mais planos sobre Michigan, chega a ser bonitinho ver ele imaginado nos quatro morando juntos em Detroit. Mas sei que nem o  Jay e muito menos o Dylan vão querer morar lá.
- Seu quarto iria ser rosa - Ele percebe minha careta por causa da cor feia e se corrigi - Verde escuro então, Dylan, Jay e eu poderíamos abrir uma loja de itens de esportes. Trabalhando na parte de baixo do prédio e morando em cima. - cutuco o braço dele em protesto.
- Tá mas e eu? Aonde me encaixo nesse plano? - Ele ri se afastando aos poucos de mim.
- Fazendo wafles. - Chuto a perna dele.
    No fundo ainda não me acostumei com a idéia de viver só com dois irmãos.
Saímos do estacionamento, logo na saída tem um amontoado de pessoas gritando e comemorando. Eles estão em cima de caminhonete, com o som alto. Além de muita bebida e cheiro de maconha.  Muitos vestem camisas do Sethgold, outros de outros times. Damos mais um passos a frente até ver Dylan rindo e conversando com um amigo.
- Olha só quem está na bagunça! - Matt diz alegre. 
  Matt se aproxima do nosso irmão o dando um tapa no braço. De repente vejo que já tem um copo de bebida nas mãos.
- Ao Dylan Collins!  - Todos gritam viva brindando com seus copos. Dylan não está entendo nada. E dirige o olhar de confusão para mim que dou de ombros sorrindo. Está claro que Matthew não está nem um pouco triste por nos abandonar.
21h44.
Caminho para fora do monte de gente, Matt e Dylan ainda estão comemorando a vitória do Sethgold.
Imagino o quão bravos eles ficariam se eu fosse embora sozinha. Vou até uma espécie de clareira. Me sento num troco de árvore caído. A temperatura esta muito agradável. A parte do estádio em que estou é coberta de grama verde, as árvores tapam a entrada do estádio do meu campo de visão. Um barulho estoura, seguido de uma fumaça dourada e azul. As cores do Sethgold.
Um barulho de galhos quebrados me tira do coma de tédio. Levanto a cabeça a tempo de ver uma sombra aparecer.
- Foi mal, não sabia que tinha gente aqui. - Reconheço o ladrão de lugar do estádio. Por que isso só acontece comigo?
  Análiso melhor seu rosto, faço o que posso para enxergar na meia luz. Seus olhos são verdes quase castanhos, o corpo esguio mas com músculos visíveis pela camisa, os cabelos são castanhos, mas meu passeio visual é interrompido já que o "ladrãozinho de lugar" colocou um casaco de moleton preto cobrindo o corpo. Ele também me reconhece franzindo o cenho.
- É você de novo. O que está fazendo aqui? - Reviro os olhos diante da pergunta.
- Aonde? Num lugar público? - Estou sem paciência acho que vou entrar na TPM. Droga. O ladrãozinho senta encostado numa uma árvore distante. Sou uma alma curiosa por natureza então não me seguro e pergunto.
- Por que está aqui se a festa é na rua? Pensei que vocês jogadores amassem festas. - O garoto me analisa antes de responder.
- Caso você não saiba nem todos os jogadores lindos como eu gostam de disso. - Solto uma risadinha. Que presunçoso; mas ele é sim, lindo.
- Como é que vou saber se não tem nenhum aqui. - Ele sorri. Mas não me deixa ficar por cima.
- Claro, e por que você está aqui? A loja de croche está fechada por acaso? - Ele diz apontando com a cabeça para o casaco em meu colo. Ruburizo. Ele não vai me vencer. Não mesmo.
- Não, mas a bilheteria estava né? - Dessa vez quem ruburiza é ele, obviamente envergonhado por roubar meu lugar. Objetivo concluído.
- Em minha defesa, o lugar não tinha nome. E quem deixa um casaquinho de croche para marcar lugar? Só a minha avó. - Que abuso! Fico na defensiva, ele falou do meu casaco favorito.
- E desde quando os bancos tem nome? E, não tem nada de mais em usar um casaco de tricô, existe uma grande diferença entre ele e o croche para a sua informação. - Ele ri, um som terrivelmente agradável. Por incrível que pareça a presença de alguém me faz esquecer quase por inteiro o fato que Matthew não liga nem um pouco em abandonar a família.
- Desculpe se não sou um especialista em artes manuais como você vovó. - Reviro os olhos de novo. Babaca.
- Você tem um problema nos olhos ou só é petulante mesmo? Você não para de ficar revirando eles. - Sem querer reviro os olhos, droga, o garoto sorri orgulhoso por mostrar seu ponto.
Mas a vingança o atropela.
- Quem diz "petulante?" Acho não sou eu que pareço velha. - Ele ri mas uma vez. E eu não consigo controlar um sorriso que disfarço colocando a mão na frente do rosto.
- Bem, acho que você venceu, e seu prêmio é uma cadeira de balanço para ler histórinhas para seus netinhos. - ele gargalha mas eu o encaro com uma cara feia fingida. Ele é muito desagradável e agradável ao mesmo tempo. Nunca pensei que fosse possível.
- Não é possível alguém não ter um hobbie de velho. Me recuso a acreditar nisso. - O cara nega com um sorriso de ponta a ponta.
- Posso assegurar que não tenho nenhum. - Reviro os olhos, acho que está se tornando um hábito. Me ajeito no tronco de árvore, minhas costas estão doendo.
- Vou fingir que acredito. - Dou a ele meu melhor sorriso. O garoto tenta retrucar mas nesse hora ouço Dylan me chamar. Levanto no mesmo instante.
- Hora de ir. Tente não roubar outro lugar, quem sabe você não arranja um olho roxo se for atacar uma garota não tão indefesa como eu. - Ele sorri de uma maneira que tenho quase certeza que iluminou a clareira.
- Não posso, vou te contar um segredo - ele se levanta chegando perto de mim. - Eu sou viciado em roubar lugares de senhoras de idade em jogos de futebol. - Dou risada indo embora.
22h45.
Dylan e Matt estão a minha espera a poucos metros da clareira. Assim que apareço eles vem rapidamente até mim. Me meti em problemas.
- Onde você se meteu? Ficou louca de sumir desse jeito porra! - Dylan segura meu braço irritadissimo. Livro meu braço das mãos dele.
- Fica calmo, vocês estavam tão distraídos que nem me viram ir logo ali na clareira. Eu só não quis me amontoar, é pecado não querer ficar fedendo a maconha? - Dylan relaxa mas sei que continua furioso comigo.
- É perigoso sair sem a gente, ainda mais no meio da mata com vários caras bêbados por aí Skye. - Matt diz e nesse momento um pensamento horrível passa na minha cabeça. Ele vai te abandonar, quem acha que é para continuar dando ordens? No minimo Dylan tem mais direito que ele agora. Afasto esse pensamento, (que esta levemente certo) por enquanto.
- Tá tudo bem comigo, vocês já viram, podemos ir embora agora? Sim ou não? - Eles assentem e vamos embora juntos com o peso da despedida que se aproxima.

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