Gangues

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Trabalhar na cozinha é cansativo, e eu descobri isso da pior maneira possível. Por sorte, eu tenho um momento de paz durante minhas refeições.

Ou, ao menos, costumava ter.

Peguei minha bandeja com o almoço e caminhei em direção a uma mesa mais afastada, mas parei quando ouvi uma voz grave dizer:

— É aquele? Ei, você aí!!

Engoli em seco e, lentamente, me virei na direção da voz. Horror e outro cara estavam sentados em uma mesa não muito longe.

Por um momento, me perguntei se estavam falando comigo.

— Você mesmo, ô da cozinha. Chega mais.

Hesitante, fui até eles. O cara que me chamou tinha olhos vazios e assustadores, de onde escorria um líquido preto estranho. Ele tinha um sorriso largo.

— Olá, eu sou Bl-!

— Eu sei quem você é, senta aí.

Respirei fundo e obedeci. Seria esse o meu fim?

— Relaxa, Mirtilo, a gente não morde.

Ele me encarou de cima a baixo, e então se encostou na cadeira, inclinando-a.

— Sou Killer. Relaxa, não vou matar você.

— Vocês...querem alguma coisa de mim?

Perguntei, fazendo-o erguer uma sombrancelha e rir.

— Sim, seu fígado.

Arregalei os olhos.

— O quê?!

— Hah, zuera! Que inocente. Só queremos conversar, meu amigo aqui disse que você divide sua cela com o do capuz.

Horror engasgou, dando alguns socos no peito enquanto tossia.

— Ah, isso é verdade... mas o quê que tem?

— O que tem!? O cara matou todos os colegas de cela! Nenhuma alma sobreviveu pra contar a história, dizem que ele usou a clavícula de um cara como arma e matou dez policiais!

Contou Horror, empolgado, e eu engoli em seco. Killer riu.

— Para de botar medo no garoto, Horror. Olha pra ele, tá tremendo que nem vara verde.

— Tá... mas por que vocês estão me falando isso agora? Eu não tenho medo dele.

Questionei, um tanto desconfiado. Killer sorriu e me chamou para mais perto, sussurrando:

— Vamos vazar daqui terça a noite, e você vai ajudar.

— VOCÊS VÃO O QUÊ?

Horror tapou minha boca rapidamente, fazendo sinal de silêncio.

— Psssh!! Cala a boca, cacete!

— Mas fugir? Não podemos fazer isso! Você não sabe que é contra as regras?

Ele revirou os olhos e bufou, impaciente.

— Claro que eu sei, seu prego, mas já temos um plano pra fugir. Dessa vez vai dar certo!

— Ele diz isso toda vez.

Apontou Horror, enquanto terminava de devorar seu prato e pegava o de Killer.

— Mas por que eu ajudaria vocês?

Killer abriu um sorriso largo.

— Por que você é inocente, sei que não matou aquela criança.

Dessa vez, fui eu quem tossi. Voltei meu olhar para ele, que me encarava com um sorriso preguiçoso.

— Como você sabe disso?!

— Pfft, olha pra você. Tá na cara que não mataria nem uma mosca. Tu é o maior Zé Ruela, meu bom.

Cerrei os olhos pra ele, meio ofendido, e ousei perguntar:

— E se eu não quiser ajudar vocês?

Usando o polegar, Horror fez um gesto de corte na frente da garganta rapidamente.

— Morre, vai direto pra terra dos pés juntos.

Disse Killer.

— É. Pro beleléu.

— Vai jogar no Vasco.

— De arrasta pra cima.

— Virar camisa de saudade eterna.

— Vai-

— Okay, eu já entendi!! Já entendi...

Parei por alguns segundos para pensar. Por que eu sempre me envolvo com gente doida?

— E o que o Dust tem a ver com isso?

Killer me deu um tapa no ombro, sorrindo.

— Você, meu amigo, vai convencer ele a ajudar!

— O Dust? Por quê precisam dele?

Muito ocupado com sua comida para olhar pra nós, Horror respondeu, de boca cheia:

— Por que ele conhece todas as entradas e saídas. Ele quase fugiu algumas vezes, dizem que ele se deixou ser pego de propósito. Ele queria saber todas as rotas possíveis  antes da fuga definitiva. O cara manja muito, é tipo o Zorro. Ou o Batman...não! O Coringa! Uma versão mais triste do Coringa.

— E por que logo eu tenho que falar com ele?

— Bem, você tá dividindo cela com ele e ainda não morreu! Tu é especial, cara.

— Especial? Ou só descartável?

Retruquei, meio incrédulo. Killer riu e balançou a cabeça.

— Ei, você tem potencial. Daria uma ótima isca, só precisa de um empurrãozinho.

— Um empurrãozinho pro abismo, você quer dizer.

Ele me lançou um olhar torto. Droga, ele estava falando sério mesmo.

— Tá bom, tá bom, eu vou ajudar.

Concordei, sem muita convicção. Ele sorriu e apertou minha mão, como se fossemos velhos amigos.

— Isso aí, agora vai lá e fala com o Dust. Diz pra ele que a gente tem um plano, e que ele vai fazer parte dele. Diz que ele vai ser o nosso guia, e que eu vou fazer valer a pena pra ele!

— Eu... eu vou falar com ele.

Disse, me levantando e pegando a minha bandeja. Ele me olhou e piscou um olho. Quando eu estava a uma distância, ainda pude ouvi-lo gritar:

— E lembra de não morrer!

— É...eu vou lembrar.

Repeti, sem muita certeza. Ele me deu um joinha e voltou a comer. Eu me afastei, caminhando em direção à minha cela. No caminho, eu pensei em tudo o que ele tinha dito, e em tudo o que eu tinha concordado.

Eu estava prestes a me meter na maior furada da minha vida, e eu não tinha como escapar.

ConfinadoOnde histórias criam vida. Descubra agora