CAP 29: perdão

112 10 0
                                    

POV: Donovan

Após observar Anya e Damian correndo no jardim, Donovan se senta na poltrona de seu quarto, reflexivo como tem estado desde que retornou, e refaz toda a trajetória de suas últimas semanas em pensamento:

*   Um mês, uma semana e 5 dias... Esse foi o tempo em que fiquei recluso... Fui preso após ser pego em flagrante por espiões de alto escalão do leste. Twilight... o responsável por colocar as algemas ao redor do meu pulso.

Na prisão... interrogatório, tortura, chantagens. Sofri todo tipo de método pra que eu cedesse informações sobre meu projeto. E com que objetivo mantive esse plano? Eu já não sabia. Pergunta após pergunta dos investigadores. Eu não queria responder. Eu não sabia mais.

No início, quando o que eu tinha ainda era uma família, pensei que estar protegido pelo poder político enquanto usufruia de todo dinheiro e poder possível era tudo o que eu precisaria por um longo tempo... Então, nasceu Demetrius, um garoto com futuro promissor, o primeiro herdeiro da família Desmond. E nessa época, eu já estava começando a me afundar em negociações ilegais, planos e mais planos a fim de alcançar um objetivo que eu nem sei mais porquê estabeleci. Por que, em uma vida tão curta, eu daria prioridade a essas coisas vãs..? Eu sei. A ganância dá sentido a tudo no momento em que se precisa decidir entre se manter etagnado ou prosperar a todo custo.

Seria poético demais dizer que me arrependo de tudo. Seria irreal e injusto. Fiz o que fiz, conscientemente. Sou um homem corrompido pela própria vontade. Mas agora, de fato, após ser preso e torturado, creio que tudo o que senti não foi, nem de longe, comparável à dor que causei àquela criança.

Damian... é de certa forma vergonhoso verbalizar seu nome e visualizar sua imagem.. Não por que o remorso me consome, não, não por inteiro. Mas porque você cresceu tão dependente...

Demetrius atingiu uma boa idade quando eu ainda possuía resquícios de empatia dentro de mim, mas você não, Damian... Você nasceu, e aos poucos anos já quase não me via em casa. Foi minha falta. Priorizei negócios que hoje se encontram acabados. Falhei duas vezes.

Após sair da prisão, e eu nem sei porquê fui liberado apesar de terem estabelecido algumas condições, eu ainda permaneci por uma semana sem voltar pra casa. Eu estava vagando. Minha mente se esvaziou, realmente. O sentido que eu via em meu grandioso projeto durante os últimos anos se esvaiu. Me vi preso, velho e sozinho. Ahh... que momento para se arrepender, que patético é despertar para o que é valioso tanto tempo depois. 

Eu não quero perdão. Eu não quero me redimir. Eu não quero mudar radicalmente. Sou o que sou, e aceitei. Eu me fiz assim, mas nenhuma culpa têm os meus filhos da pessoa que sou. Por causa do meu comportamento a mãe deles se foi. Quanto ódio ela devia sentir por mim para abandonar inclusive seus filhos? Eu realmente não sei dizer. Nossos pecados são diferentes. Talvez...pior do que ter ido embora é estar aqui, mas não estar com eles. Eu não sei. Pensar demais não vai me fazer entender o lado deles.

Embora Demetrius esteja agora tendo que lidar com o caos interno na política da empresa da família, eu me sinto aliviado por não ter deixado que ele tivesse parte nos meus projetos arbitrários. Ao menos estando no exterior e já crescido, ele vai poder se virar. Mas Damian... ele parece estar crescendo traumatizado, e por minha causa, sem dúvidas. Novamente, eu não quero perdão. Damian pode me odiar eternamente. Se ele fizer isso ao invés de limitar sua vida às minha falhas como pai, já vai ser um fracasso menor do que o que pode acontecer se ele seguir vivendo em função de mim.

E aquela garota... pela primeira vez em muito tempo eu vi uma expressão despreocupada na face do meu filho. Pela primeira vez em muito tempo eu tive contato com alguém que é próximo dele. E quem diria que seria logo você...Anya. Filha adotiva do Twilight...

Não quero admitir o destino irônico que me espera, mas não busco agir ativamente para impedí-lo. Agora que essa doença me acometeu, tudo o que tenho a fazer é existir e contemplar... sem piorar o que eu já fiz chegar neste estágio atual.  *

Na sala de estar...

POV: Damian

Mordomo: Bem vindo de volta, sr Damian. Como foi hoje no colégio?

- Foi bem... Hoje recebemos a nota da última prova que fizemos antes do início dos jogos escolares. Agora eu finalmente alcancei o primeiro lugar no ranking de todo o colégio nas notas gerais. - eu falei me gabando implicitamente e, após deixar a mochila no sofá, fui em direção à cozinha.

Mordomo: Essa é uma ótima notícia! Seu pai está no quarto, vou chamá-lo para que você possa contar a novidade. Tenho certeza que dessa vez ele vai se aleg- eu o interrompi:

- Não o chame. Não quero vê-lo. Tudo o que quero é tomar um chá para aliviar essa dor de cabeça que tô sentindo e ir para o meu quarto descansar, então, por favor, não precisa avisá-lo.

Mordomo: C-certo, sr. Damian. Como desejar. Farei o chá para você.

- Não precisa também. Estou bem, acredite. Pode ir fazer outra coisa que precise, eu mesmo prepararei o chá. Obrigado..

Mordomo: Tudo bem... - ele concordou e saiu. Na cozinha, abri um compartimento pequeno no alto do armário e peguei de lá um pote repleto de ervas naturais.

*  É como a mamãe fazia...  * - relembrei a única memória consistente que eu era capaz de manter e reviver. Coloquei a água e as folhas para ferverem.

* Hmm... o cheiro é bom. *

Donovan: É o chá que sua mãe fazia. - um calafrio subiu dos meus pés à cabeça quando ouvi a voz dele e seus passos descendo a escada.

*  Droga! Eu falei que não queria que ele contasse sobre a nota para o meu pai!  *

- Por que desceu? Vai me menosprezar de novo mesmo após ter conseguido a maior nota do colégio? Saiba que sua crítica ou elogio não terá nenhum efeito em mim... Eu não tenho mais estudado pra agradar a você. - em um ímpeto soltei tudo o que estava na minha mente, mas inesperadamente, meu pai não parecia ter sido comunicado sobre nada.

Donovan: Nota...? Então você tirou a maior nota... E não depende mais da minha aprovação... Hm..

*   a forma como ele reage as notícias é sempre vaga, incerta e distante...  * - pensei e segui fazendo meu chá.

- É. Reafirmei sem motivo aparente, estando de costas para meu pai. Prossegui:

- Você não foi comunicado sobre isso por um dos empregados?

Donovan: Não.

- Hm.. - e como sempre, o silêncio mórbido que era o mais presente em nossos diálogos, se instaurou, embora quebrado logo em seguida:

- Meus parabéns. Você finalmente está indo bem.

*   quê?  * - meu pensamento rapidamente se guiou à surpresa. Eu não esperava uma aprovação  tão deliberada vindo dele naquele momento. Em  momento nenhum. Mas foi tão vazio. A aprovação que sempre busquei, que eu almejava... o gosto de dar orgulho a alguém.. não é nada como eu imaginei. Não respondi ao meu pai. Peguei meu chá e subi para o quarto.

Em seus cabelos rosados... por todas as nossas memóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora