Capítulo 3

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Percebendo a desconcertante realidade que se desdobrava diante dela, Amélia lutava para processar a discrepância entre sua idade e o ambiente infantil ao seu redor. As palavras de descrença se misturavam ao silêncio tenso do quarto, onde a atmosfera parecia congelada, refletindo a sensação de aprisionamento em um passado que ela tentava deixar para trás.

Mildred observava com cuidado as reações da jovem, ciente da complexidade da transição que estava sendo imposta a ela. Tentando suavizar a tensão, a senhora Draytons quebrou o silêncio:

- Eu sei que pode parecer estranho, querida, mas queremos que se sinta em casa. Este quarto foi preparado com carinho, pensando em tornar sua estadia aqui mais confortável.

As palavras da mulher ecoavam pelos cantos do quarto, mas Amélia permanecia em silêncio, lutando para aceitar a realidade que se apresentava. O contraste entre a dura vida e o aparente excesso de zelo naquele quarto a deixava perplexa.

Mildred, percebendo a resistência de Amélia, aproximou-se com gentileza e tocou suavemente seu ombro.

- Com o tempo, você verá que estamos aqui para cuidar de você. Este é o seu espaço agora, e queremos que se sinta segura e acolhida.

As palavras da senhora Draytons pairavam no ar, enquanto Amélia absorvia a mensagem, enfrentando uma batalha interna entre a desconfiança enraizada em suas experiências passadas e a possibilidade de um novo começo. O quarto, com sua aura infantil, representava não apenas uma mudança de moradia, mas uma virada de página em sua vida tumultuada.

A garota, ainda em silêncio, dirigiu seu olhar para Mildred, buscando nos olhos dela a sinceridade das intenções. O desconforto persistia, mas havia um fio de esperança lutando para se manifestar naquele momento de transição.

A mulher, captando a busca nos olhos de Amélia, manteve seu olhar compassivo, consciente de que o processo de aceitação seria gradual. A senhora Draytons, com um sorriso suave, tentou dissipar a tensão no ambiente:

- Se precisar de algo, estaremos aqui para ajudar. Você não está sozinha nesta jornada.

Amélia assentiu levemente, uma mistura de emoções conflitantes dançando em seus olhos. A sensação de ser cuidada era nova e estranha, contrastando fortemente com as experiências de desamparo que marcaram sua história.

Mildred guiou Amélia até a cama, abrindo para que se sentasse, e foi o que ela fez, tentando absorver o que estava acontecendo. A senhora Draytons permaneceu ao seu lado, oferecendo uma presença tranquilizadora.

- A adaptação leva tempo, e entendemos que isso pode ser difícil. Estamos aqui para apoiar você da melhor maneira possível. Se quiser conversar ou precisar de algo, não hesite em nos chamar. - Ela a olhou, sorrindo, com uma leve dureza ao sair do quarto, acarinhando os cabelos da menina.

A voz de Mildred era um suave eco de compaixão, mas o silêncio que se seguia carregava a possível promessa de que talvez em solidão, Amélia pudesse encontrar um espaço seguro para o seu equilíbrio emocional. O quarto, com sua dualidade entre aconchego infantil e a transição para a adolescência, tornou-se um símbolo inesperado de horror.

Envolta nos lençóis suaves da cama, continuava analisando o quarto com apreensão, estava se tornando difícil respirar, mesmo que tentasse ao máximo se manter calma. Estava sozinha, pela primeira vez naquele dia.

Amélia, ao se levantar, permitiu-se explorar o quarto com um misto de surpresa e desconfiança, agora sozinha. Seus olhos, habituados à dureza da vida que viveu com sua mãe e no orfanato, estranhava os tons suaves e os detalhes infantis que adornavam o ambiente. A parede decorada com papel de parede colorido, e os brinquedos organizados em prateleiras e pinturas de desenhos lúdicos causavam uma estranha sensação de que algo estava errado. Amélia pensava que talvez o casal desejasse uma criança muito mais jovem do que ela, uma criança de colo, muito provavelmente. Mas se esse for o caso, por que tanto cuidado para que ela aceitasse cada detalhe do ambiente?!

Seus dedos traçavam de maneira hesitante os contornos dos ursinhos de pelúcia, fazendo-a remeter muito, de como o seu próprio ursinho que carregava na maleta, havia sido algum dia. Os blocos sobre o chão, juntamente com cadernos de colorir, eram objetos adequados a uma criança do que a uma adolescente como ela. A sutileza dos detalhes contrastava com a aspereza de suas mãos. Naquele momento, naquela casa, naquele quarto, nada parecia ser o que deveria ser.

O olhar de Amélia percorria, absorvendo cada detalhe como se estivesse decifrando um enigma. As cortinas azuladas, os livros infantis cuidadosamente dispostos nas prateleiras, com letras tão distorcidas, que mesmo com a total atenção de tentar ler seus nomes, se tornava uma tarefa quase impossível. A desconexão entre sua realidade anterior e o presente era como um abismo que ela se esforçava para entender. Sabia que havia tido uma grande sorte em ter sido adotada por um casal, que tinha aceitado de bom grado, sem se importarem em nada com a sua idade.

Mas a personalidade observadora de Amélia emergia na mente inquisitiva capturando detalhes que muitos poderiam negligenciar. No entanto, sua relação se manifestava na forma como mantinha suas descobertas guardadas para si mesma, sem expressar verbalmente as nuances de suas emoções, evitando causar barulho, que viesse a incomodar os outros integrantes da casa.

Ao mesmo tempo, a submissão diante da nova realidade era evidente em sua postura. Ela se movia com cuidado, como se temesse perturbar a ordem aparente do quarto. Cautelosa, Amélia permitia tocar os objetos, mas mantinha uma certa distância emocional, como se não quisesse se apegar demais a algo que ainda parecia incerto. A desconfiança persistia, mas havia uma chama de curiosidade e desejo em seus olhos.

A desconfiança de Amélia persistia como uma sombra, ecoando questionamentos em sua mente. O contraste entre a aparente generosidade do casal Draytons e a realidade crua de sua própria história despertava dúvidas inquietantes.

Enquanto seus dedos percorriam os traços suaves de um quebra-cabeça infantil, Amélia se questionava sobre as motivações ocultas por trás daquele gesto aparentemente benevolente, como um mistério a ser desvendado.

A desconfiança se alimentava de sua experiência anterior, onde gestos supostamente altruístas muitas vezes escondiam intenções obscuras. A ideia de um lugar seguro e acolhedor era, para ela, envolta em uma aura de incerteza. Amélia se perguntava se o excesso de zelo na decoração não era uma tentativa de mascarar alguma verdade inconveniente.

Cada brinquedo observado, cada detalhe infantil meticulosamente disposto, aumentava a intriga em sua mente. A adolescente perspicaz não podia ignorar a dualidade que permeia aquele ambiente. Seu olhar, agora mais crítico, buscava respostas que ainda não haviam se revelado.

Enquanto ela explorava o quarto, a sensação de que algo não se encaixava crescia dentro dela. A desconfiança, afiada como uma lâmina, a implica a questionar se a bondade aparente dos Draytons era genuína ou se escondia por trás de uma fachada cuidadosamente construída.

Deitada agora sobre a cama de grandes barras de madeira, observa quieta a noite avançar, apenas com o som do mobile rodando em cima de si, observando a luz entrar sobre a escuridão.

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