Capítulo 6

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Já no começo da tarde, enquanto Amélia se encontrava no quarto azul, permeado por brinquedos e ursinhos, a atmosfera silenciosa e discreta da casa parecia ganhar vida com cada raio de sol que dançava pelas janelas de vidro. No entanto, mesmo diante da tranquilidade, a sensação de estar sob constante observação a fazia manter os olhos quase sempre baixos.

A cada som que sugeria a possibilidade de alguém se aproximar, Amélia experimentava uma sensação sutil de perseguição, como se seus movimentos estivessem sendo monitorados. O silêncio, por vezes, era quebrado por ruídos que a faziam desviar o olhar imediatamente, criando uma tensão sutil em seu refúgio recém-adquirido.

No entanto, no quarto azul, a tentação de explorar os brinquedos e os ursinhos se manifestava silenciosamente. A presença de um berço exclusivamente seu, evocavam uma nostalgia não vivida, uma oportunidade de experimentar uma infância que foi roubada antes mesmo de poder compreendê-la.

Amélia se via dividida entre a curiosidade genuína de brincar com os brinquedos, de tocar os ursinhos macios que decoravam o espaço, e a vergonha que surgia ao admitir tal desejo. A ideia de que, como uma quase adulta, deveria reprimir esses impulsos infantis, já que colidiram com a tentação de se permitir um momento de leveza e escape no meio da estranha realidade que agora chamava de lar.

Os passos silenciosos dos Draytons no andar de baixo ecoavam ocasionalmente, adicionando uma camada de suspense ao ambiente. A cada som, Amélia sentia uma pontada de ansiedade, temendo que sua vulnerabilidade fosse descoberta. Enquanto isso, a dualidade entre a necessidade de se sucumbir à vontade silenciosa e se permitir a alegria dos brinquedos criava uma narrativa interna complexa em sua mente.

Sentada no chão, vestindo um macacão de veludo marrom e uma camiseta casual branca de mangas curtas, Amélia sentia a textura suave do carpete contra suas mãos enquanto discretamente montava os blocos de construção espalhados pelo chão. Seus lábios, marcados pelos dentes cravados no lábio inferior, ardiam, uma sensação intensificada pelo contato com o mundo exterior.

A escolha das roupas, apesar de inicialmente estranhas, começava a envolvendo em uma sensação calorosa e protetora, algo que ela nunca havia experimentado desde à chegada à casa dos Draytons. Era como se essas peças de roupa fossem um abraço reconfortante, uma fuga temporária da estranheza e tristeza e pressão que pairavam sobre ela.

Na verdade, se enganava em acreditar que nunca havia experimentado uma sensação calorosa. Na verdade, era mais fácil desacreditar nisso do que admitir que sentia falta desse calor, especialmente do que sua mãe proporcionava em raros momentos. As memórias difíceis da vida que ambas levavam eram amenizadas quando, às vezes, sua mãe voltava para casa todos os dias apenas apê , para lhe comprar uma pequena barra de chocolate, a mais simples e extremamente doce. Era uma compensação pelos gritos, e palavras duras e rancor dirigidos a ela.

O quarto, além dos brinquedos e ursinhos, parecia vazio, mas para a jovem, aquele espaço talvez fosse o único que a ambientação tivesse um ar mais leve, mesmo que por alguns breves momentos. Deitada no chão, ela se entregava à tarefa simples de montar blocos, mergulhando na atividade como uma criança imersa em seu próprio mundo de fantasia.

Organizava os blocos de construção no chão, tentando recriar a simplicidade da infância que teve que abandonar tão cedo, Amélia mordia seu lábio inferior, sentindo a pontada de saudade pela barra de chocolate e pelo afeto materno. Parece que o doce ficava mais gostoso, por ter sido dado por ela.

Doom Draytons, ao subir as escadas e notar a cena, percebia desde o primeiro momento as emoções complexas, que seus olhos perspicazes tentavam esconder, mas ele escolhia não abordar diretamente essa vulnerabilidade, deixando que ela, entendesse antes a dinâmica que sua nova vida iria retirar ou lhe presentar.

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