Capítulo 2

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Ao chegar na casa dos Draytons, tinha ao menos uma vaga percepção de estar sendo salva, mas isso não servia de consolo. Sua mãe a amava, ao menos ela desejaria a todo custo que sim, vivendo boa parte da vida em hotéis baratos e em trailers, suas paredes finas bastavam um arranhão, para que elas se esfarelassem nos dedos feito pó. Sua mãe estava sempre alcoolizada e nunca havia dinheiro, era uma mulher difícil, e viveu assim boa parte da vida, sempre buscando o pior de todo mundo. Até na própria filha.

Toda vez que pensava nela, o sentimento de dor era irremediável, lembrando muito a sensação quando soube de sua partida, era difícil entender que mesmo ela sendo como era, não compreendia que não poderia suportar a ideia de nunca mais vê-la, escutar seu riso, voz e cheiro. Mas naquele momento, nada alterava o fato de ela ser apenas uma menina magrela e perdida em mais um lugar estranho, com mais gente estranha. Sozinha.

No banheiro, gentilmente a senhora Draytons colocava roupas limpas sobre a bancada. Logo sendo deixada sozinha, não havia jeito que a fizesse tomar banho, estava imersa em receios e angústia, apenas se sentou-se encolhida em um canto atrás da porta e armários no banheiro, agarrada, deitando -se sobre a toalha, em busca de algum apóio, calor e consolo. Os ladrilhos eram frios e solitários.

- Querida, está tudo bem por aí ? - Disse Mildred batendo na porta, não querendo invadir a privacidade da menina. Mesmo que desejasse muito se infiltrar pela porta do banheiro. - Está precisando de alguma coisa? - Bateu novamente.

- Não, - Fez uma pausa. - Está tudo bem. - informou baixo.

- Ótimo, - Falou finalmente. - Apenas se apresse.

A menina levantou a tropeços, olhando- se pelo espelho, e estremeceu diante de sua aparência desgrenhada. Fechou os olhos e deixou finalmente que suas lágrimas descessem por sua face, limpou suas bochechas úmidas como chuva.

Ligando a torneiras da banheira, entrou nela com cuidado. Desejava apenas que sua temperatura fria se ajustasse com o calor agradável da água quente. Com gestos mecânicos, despediu-se com atenção aos detalhes de suas ações e da imundícia de sua pele e de seus cabelos. A sensação de calor e o som suave da água a envolveram. Ela pegou o sabonete e começou a lavar-se rapidamente, procurando conforto dentro da pequena banheira.

Ao terminar, e ao colocar as roupas limpas da bancada em si, notará que elas caiam sobre seu miúdo corpo, as calças aveludadas arrastavam-se sobre o chão, a blusa infantil, e folgada, de mangas cumpridas se afunilam aos seus pulsos, com meias sobre os pés. A paleta de cores é inevitavelmente infantil, de cores calmas e delicadas, criando um visual relaxado e elegante, o oposto contrário da menina assustada. Havia se desacostumado a usar roupas limpas e cheirosas, e nada pareceu mais atraente no exato momento. Mesmo que tivesse roupas sobre sua maleta, não recusaria as roupas oferecidas para ela.

Ao girar a chave na fechadura e abrir a porta, deparou-se com a Sra. Draytons recostada na parede, com braços cruzados, aguardando pacientemente que ela concluísse seu banho. Uma mistura de desconforto e falta de surpresa a invadiu, acelerando seu coração em antecipação a uma possível tensão iminente. A presença constante da senhora ao seu lado criava uma sensação estranha, deixando-a em dúvida sobre se apreciava verdadeiramente tal atenção.

Mas a casa era confortável demais, e às vezes o conforto pode ser um suporte quando se trata de resolver sua vida. O ambiente parecia impregnado de uma atmosfera tensa e misteriosa, enquanto ela ponderou sobre a incerteza de acolher ou repelir essa atenção persistente. O silêncio pairava no ar, interrompido apenas pelo som distante do senhor Draytons conversando possivelmente no telefone. Ela se via envolvida em um momento carregado de expectativas, sem ter certeza de como essa peculiar dinâmica entre elas iria se desdobrar.

Logo a mulher passou as mãos no cabelo da menina, verificando meticulosamente sua limpeza, enquanto seus braços a envolveram por de trás.

- Que banho rápido. - Comentou ao caminhar com a jovem. - As roupas ficaram lindas em você, um pouco largas realmente, mas isto é fácil de resolver. - Disse, às ajeitando. - Está tão frio lá fora, nada melhor que um banho quente nesses momentos. - sorriu.

- Meus banhos são rápidos. - Afirmou. Ao notar que sua resposta foi afiada, acusatória e ligeiramente mal- educada, ela encolheu-se. Com a mão da senhora pressionada sobre suas costas, estava apreensiva, e com receio de fazer barulho e provocar uma possível ira.

Mildred assente com a cabeça, e ao perceber que está sendo invasiva, quase como uma sombra às suas costas, ela se inclina para trás, medindo suas palavras, ao mudar de assunto. - Que tal irmos ao seu quarto? Gostaria de o apresentar o mais rápido possível, venha comigo.

Sua postura magra e alta de bailarina, a conduziu aos corredores de sua casa, sua pele reluzente contrastou com as luzes do teto, a deixando avermelhada, como se tivesse sido lavada recentemente com esfoliante.

- T-Também estou animada. - Disse hesitante e insegura.

A compaixão da senhora cresceu ainda mais ao ouvir o gaguejar a resposta da garota.

- Muito bem então. - Ofereceu um sorriso caloroso, querendo transmitir confiança e empatia, de que ela estava caminhando pelo caminho certo. Ao que Amélia retribuiu ao sentir que estava agradando.

Ao conduzi-la pelo quarto gelado pela fria brisa do inverno. O ambiente é minimalista, com tons de cinza e azul claro que parecem absorver a luz. Algumas janelas de vidro, embaçadas pelo frio, deixava transparecer um mundo coberto por um manto de neve.

Ao entrar no quarto, a garota percebe móveis infantis, um berço delicadamente decorado com padrões suaves e brinquedos que parecem destoar da sua idade. Pelas paredes, móveis e objetos aparentemente escolhidos para uma criança muito mais jovem do que ela. O tapete felpudo parece estranhamente confortável e ao lado do berço, uma cadeira de balanço completa a atmosfera de infância forçada.

Na mulher mais velha, há expressões cuidadosamente neutras, ao tentar sutilmente impor essa nova realidade à adolescente. A reação dela é uma mistura de choque e resignação, seus olhos percorrem o quarto enquanto o gelo do ambiente parece penetrar em sua alma. No silêncio tenso, ela balbucia palavras de descrença diante do absurdo da situação, sentindo-se aprisionada em uma versão distorcida da infância que ela já deixou para trás.

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