Tusso uma, duas, quinze vezes. O ar aperta meus pulmões e não me permite respirar, parece queimar minhas narinas e tentar me sufocar.
— Pegarei uma toalha seca! — escuto alguém gritar. Pela entonação, já imagino quem seja.
— Respire, Claire, respire — uma voz mais calma pede, e sua portadora apoia minha cabeça em seu colo, afagando meus fios brancos.
Ouvindo a voz de minha mãe, insisto em tentar respirar e, em algum momento, algum ser celestial decide ter pena de mim e me permitir inalar o mesmo ar que qualquer um consegue.
Solto um suspiro, aliviada.
— O que estava pensando? Poderia ter morrido! — A mesma mulher da voz tranquila de segundos antes desfere um tapa não muito forte em meu rosto e eu rio, tossindo um pouco no processo.
— Não me culpe por ser curiosa. Gostaria de poder apenas tocar na água, como qualquer pessoa normal. — Sento-me e torço meu cabelo com as mãos.
— Qualquer pessoa normal saciaria a curiosidade tocando na água. Você literalmente mergulhou e não tem ideia do que poderia ter acontecido se outros a vissem agora, nesse estado.
— Estou bem, sim. — Me levanto e ofereço a mão à minha mãe, Anallie.
— Você ainda me causará um infarto. — Aceita e se coloca de pé ao meu lado. — Vamos, estamos um tanto quanto longes de casa.
— Claire! — A criança que berrou por uma toalha antes retorna finalmente.
— Blanche. Se eu fosse depender de sua agilidade para viver, estaria morta. — Aceito a toalha e envolvo meu corpo ainda molhado nela.
Minha irmãzinha me dá a língua e vai para perto da água, coletar algumas conchas como de costume.
— Blanche, querida, levarei sua irmã para casa. Não volte muito tarde, não queremos que Hilichurls a encontrem, certo?
— Sim, mamãe!
Iniciamos uma caminhada silenciosa até nossa pequena cabana.
Não moramos dentro da cidade de Fontaine, mas relativamente perto, porque há alguns meses deixamos tudo o que tínhamos para trás, junto de meu pai alcoólatra.
Minha mãe não conseguia se adaptar à cidade, de qualquer forma e, apesar de eu ter visíveis problemas com água, concordamos em morar fora.
Não sabemos exatamente qual é o meu problema com água, mas eu sinto como se estivesse dentro de uma dicotomia. Uma dualidade na qual ou eu vivo dentro da tão perigosa água, ou vivo fora. Não parece existir um meio-termo.
Dentro da água me sinto estranha.
Qualquer contato mínimo que eu tenha com ela me causa náuseas e até convulsões. Mas dessa vez, eu mergulhei. E foi muito diferente de todos os meus contatos anteriores com a água.
— Eu estava pensando, o que acha de nos mudarmos? — indaga ela, de repente.
— Para onde?
— Qualquer outra nação, bem longe da água, de preferência. — Faz uma careta. — Estou cansada de quase morrer de preocupação toda vez que você inventa essas loucuras de tocar nela e minha pressão tende a piorar considerando a nação em que moramos.
Ah, mãe. Sempre tão preocupada.
— Eu acho que ainda é muito cedo para isso. Sem contar que nos mudar não fará a água deixar de existir. — Ando de costas, ficando de frente para ela. — Talvez devêssemos pedir ao juiz para que estudem essa condição tão... complicada minha.
— O juiz é um homem ocupado, Claire. Principalmente agora que não temos mais uma arconte. Que os princípios celestiais a tenham. — Junta as palmas, em sinal de súplica.
Rolo os olhos, entediada.
Eu entendo que Os Sete são importantes e tudo, e não consigo deixar de me desinteressar nisso.
Não tive o melhor dos ensinos e, dada minha situação atual, os arcontes são aquilo que menos me interessa no momento.
— Vou ao escritório do juiz pedir ajuda — digo, simplesmente, e ela arregala os olhos. — O que foi? Não me olhe assim. Se ele se importa com o povo como diz se importar, talvez me ajude com isso. Estou cansada de não poder tocar na água e a preocupar sempre, mãe.
— Tente não tocar na água — sugere. — Não vamos levar nossos problemas ao juiz.
— O trabalho dele é literalmente resolver os problemas dos outros!
— Eu disse não, Claire — insiste, começando a se irritar.
— Do que você tem tanto medo, mãe? — Franzo a testa, sem entender. — Eu vou ficar bem. Serão provavelmente alguns exames, um tempo com estudiosos, um tempo nas mãos de médicos e...
— Não quero que a tirem de mim, Claire! — Ela para, tensa. Os olhos baixos, encarando o chão. — Se descobrirem qualquer anomalia em você, a levarão para estudá-la. E sabem os arcontes quando a verei de novo...
Dou um sorriso fraco.
— Será apenas o necessário para que eu fique bem, mamãe. Não demorarei a voltar. — Levanto seu queixo, fazendo-a me olhar nos olhos. — Eu prometo.
— Mas...
— Mamãe! — Ouvimos um grito de Blanche.
Rapidamente corremos de volta para a praia e não a vejo em lugar algum.
Onde você...
Uma forma estranha meio humanoide é avistada por mim quando submergindo na água, ao longe. Enquanto afunda, me encara com seus olhos pretos e vazios.
Estou pronta para ir atrás dela quando puxam minha mão. Blanche.
— Claire, venha ver! — Me puxa, desesperada, guiando-me para dentro da floresta.
No meio da relva repousa o corpo de um garoto pálido e desnutrido, encharcado até os ossos.
Cubro-o com a toalha que uso.
Entre os fios de seus cabelos negros, avisto um par de pequenos chifres, delicadamente erguendo-se acima de sua testa na direção de seus olhos serenamente fechados.
— Precisamos de ajuda — digo, colocando sua cabeça sobre meu colo. — A respiração dele está fraca.
Minha mãe ajoelha-se ao meu lado e mede a temperatura dele.
— Ele está congelando. Me ajude a levá-lo para casa.
Erguemos o corpo desacordado e, com os braços dele enlaçados em nossos pescoços, o conduzimos à nossa cabana.
Numa correria incessante de um lado para o outro, minha mãe por fim decide ir à cidade adquirir algumas ervas, planejando preparar um chá reconfortante para o garoto assim que esse despertar. Blanche a acompanha.
Sentada numa poltrona próxima dele, me pergunto o que poderia tê-lo deixado de tal maneira.
Seria ele uma melusine? Não, grande demais para isso.
Um humano definitivamente não é, porque... Ah, meu Deus. O cabelo dele...
Seus fios negros começam a se converter em brancos, como os meus e, ele acorda, revelando olhos dourados – curiosamente, também como os meus.
— Onde estou? — pergunta, sentando-se e esfregando os olhos.
— Eu quem faço as perguntas, parceiro. Quem é você? — Cruzo os braços, o clima entre nós tornando-se opressor.
Sinto que ele e eu estamos conectados de alguma forma e isso me incomoda. Porque, pelos deuses, quem não se incomodaria em sentir uma conexão com um completo estranho?
Se estivermos relacionados de alguma forma, talvez... Não sei.
Preciso me acalmar para elaborar perguntas fáceis. Ele acabou de acordar e...
Respira, Claire. Você é Claire Cheshire e nada além da água tem o direito de a incomodar.
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Underwater
FanfictionUma instituição de pesquisas secretas que fora destruída quando a água do mar primordial subiu deixou seus vestígios: humanoides com afinidades aquáticas que detestam humanos. Como o único protetor de Fontaine, o mais novo substituto da Arconte Hydr...