Capítulo VI

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Repouso minha cabeça sobre minhas mãos e meus cotovelos sobre a mesa.

Fazem pelo menos cinco minutos que Alhaitham anota alguma coisa no caderninho que trouxe consigo desde que Neuvillette nos introduziu e teve de sair para mais trabalho.

Eu deveria ter imaginado que o juiz é um homem ocupado, principalmente agora que Fontaine não possui um arconte, mas é difícil pensar nos problemas dos outros quando se está afundada nos seus próprios.

Nunca foi falta de empatia, e sim de visão. Porque, no fim, um rei não vê a cidade da mesma maneira que um cidadão.

— Parece que sou eu quem o observa — comento.

Ele concorda, mas tenho quase certeza de que não me ouviu.

— Sabe qual minha observação?

— Se me interessasse, gostaria, de fato. Mas não. — Sequer me encara.

Eu terei um longo dia.

Levanto e me aproximo dele, baixando o caderno com meu indicador.

— Eu certeza de que você não passou esse tempo todo anotando minhas habilidades. Você sequer as viu.

— E que habilidade alguém sem visão e criada fora da cidade poderia ter? Acredito que não saiba combater?

Mordo o lábio inferior.

— Você é idiota assim mesmo?

Ele suspira e se levanta, estendendo a mão para mim.

— Preciso que me dê alguns fios de cabelo seu. Quero testar sua compatibilidade com a água, e como assinei termos extremamente específicos para não a ferir, seria um começo… decente.

— Você precisou assinar termos extremamente específicos para não me ferie? — O olho de cima a baixo, cruzando os braços.

— Realmente leva tudo ao pé da letra. Achei que apenas o juiz fizesse isso. — Revira os olhos. — É claro que eu não a submeteria a nada que a prejudicasse. Há uma linha tênue entre idiotice e canalhice.

Um pequeno sorriso se faz presente em meu rosto.

— Então admite que é um idiota?

Os fios de cabelo. — Faz gestos com os dedos, pedindo.

Bufo.

— Tem algo que eu possa usar para cortar meu cabelo? Ou prefere que eu arranque com as mãos?

— Os fins justificam os meios.

Que vontade de estrangulá-lo… Acho que estou começando a entender o impulso assassino de Raven…

Alhaitham teve um laboratório inteiro cedido a ele por Neuvillette. O que, confesso, não sei dizer se me impressiona ou me preocupa, porque apenas prova que meu caso é uma prioridade.

É engraçado – para não dizer "triste" – pensar que há uns dois dias atrás, eu era a garota desconhecida que carregava com sigo um fardo para si e sua família, desejando apenas que a justiça da tão aclaamda nação fosse feita pelo juiz e, agora, sou conhecida por todos os residentes de Fontaine e minha situação é uma das prioritárias. Meu problema finalmente será resolvido.

— Bem, é realmente interessante — diz Alhaitham, concentrado.

Me aproximo dele e vejo os fios em uma miniatura de tubo de observação. Só que não estão brancos. Estão pretos.

— Esse é o meu cabelo? — Ergo uma sobrancelha.

— Ignorarei a estupidez de sua pergunta. — Com uma pinça, pega um dos fios de dentro da água e o coloca sobre uma bandeja com uma toalha. Quando seco, sua coloração volta para o branco e o estudioso novamente mergulha-o na água. O processo se inverte após uma leve tremeluzida. — Parece que você não é uma humana estúpida.

Quase sorrio, apesar do turbilhão de pensamentos me invadindo com a mudança de cor, quando ele completa:

— É uma criatura estúpida.

Respiro fundo. Muito fundo. Muito muito fundo.

— No primeiro contato com a água, todos os fios tremeram, como os espasmos descritos pelo Iudex; no segundo, tremeu menos. — Franze o cenho, encarando o tubo. — Talvez isso signifique que você precisa de uma transformação completa em um contato contínuo com a água. Diga-me, Cheshire, em algum momento se permitiu ser moldada por completo pela água?

— Não. Meus contatos com ela sempre foram breves e interrompidos.

— Nesse caso, eu suponho que esse seja o problema. Talvez você devesse de fato manter um contato contínuo... — Pega outro fio com a pinça e puxa o microscópio para perto, o analisando. — Mandarei algumas amostras para a Academia fazer análises mais profundas. Mas não ficaremos por depender da incompetência dos estudiosos. — Se levanta.

O acompanho com os olhos enquanto prepara o tubo para o envio.

— Qual seu plano?

— Quero ver se sabe nadar. — Sorri, divertido.

É um pouco complicado saber nadar quando não consegue encostar na água sem quase ter uma parada cardíaca. No entanto, aqui estou eu, de pé, pronta para mergulhar em um enorme tubo de observação e prestes a provar minhas inabilidades de natação.

Neuvillette acompanha todo o processo no chão, alerta para intervir caso haja qualquer complicação, ao lado de Alhaitham, que segura seu caderninho de anotações.

Fácil identificar o que é a prioridade de quem.

Tenho quase certeza de que, para o estudioso, é apenas mais um dia estudando qualquer coisa – mas interagindo com pessoas.

Não posso dizer muito, não convivi com muitas pessoas também.

— Os espasmos acontecerão — explica ele. — Se meus cálculos estiverem corretos, todos os efeitos comuns acontecerão. Contudo, se não a removermos da água e permitirmos sua transfiguração no que quer que ela vire, existem fortes chances de seu problema com a água... diminuir.

— Está certo de que ela não perecerá com algo arriscado assim?

— A não ser que queiram que eu ampute os membros dela para fazer mais testes, não há outra forma de saber.

Alhaitham claramente faltou todas as aulas de socialização que devem ter na Academia.

Encaro meu futuro, que reflete minha imagem um tanto assustada com o que virá a se tornar tudo isso.

— Não tenha medo, Claire. Se qualquer coisa der errado, eu a protegerei. Tem a minha garantia.

Busco os olhos do juiz, surpresa.

Respiro fundo e conto até dez mentalmente, antes de finalmente pular.

Milhares de sensações atingem meu corpo de uma só vez, como quando mergulhei há alguns dias e minha mãe quase me matou. Mas nenhuma dela me afeta tanto quanto os arrepios que parecem percorrer meu corpo em voltas por uma simples palavra:

Claire.

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