III: Sentimentos confusos

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POV Jungkook:

Deitado sob as cobertas no meu compartimento do trem em direção ao coração de Panem, só consigo chorar até meus pulmões implorarem por oxigênio. A sensação mais sufocante e aterrorizante que já experimentei, até finalmente encontrar refúgio nesta cama macia.

Entrar no trem e dar de cara com mesas abarrotadas de comida que minha família jamais provou, uma equipe de pessoas com perucas bizarras rindo e se divertindo, me perguntando se prefiro maquiagem suave ou forte para as entrevistas na Capital. Como isso pode ser relevante?

Até o ar é diferente. Descobri o que é ar-condicionado, tentaram me ensinar a usar os botões daquele aparelho estranho na parede para amenizar o calor infernal ao fechar a porta. Minha família agora volta para casa após um dia exaustivo colhendo e cultivando sementes até o sol se esconder. Os tordos já cantaram minha canção, ensinada há anos. Minha mãe, provavelmente com a pele queimada pelo sol, tenta aliviar o calor de Nari com toalhas frias.

Posso até ouvir Taehyung chegando em casa, botas sujas de barro na entrada, anunciando que conseguiu tomates, cebolas e meio frango para o jantar.

Como tudo isso aconteceu em poucas horas? Milhares de perguntas me torturam com uma raiva me consumindo. Imagino minha morte televisionada para milhares de pessoas da Capital, meus pais em prantos em casa e Taehyung se odiando por não ter se oferecido em meu lugar. Quem colherá as laranjas para Nari quando eu me for?

Caio no sono com as lágrimas ainda quentes no rosto, sem nada a fazer além disso. Acordo com batidas na porta. Um maquiador da Capital, com olhos e pele escura e um sorriso simpático, surge com um sobretudo branco de tecido desconhecido.

— Me chamo Falco, é um prazer te conhecer, Jeon Jungkook. - ele estende a mão. Demoro dois ou três segundos para apertar de volta. - Não precisa me olhar com tanto desprezo, prometo que te deixarei muito apresentável para as câmeras.

— Eu não estava-

— Tudo bem, esqueça isso. - ele gesticula com a mão, para eu deixar para lá. Falco me guia para outro compartimento do trem, esse bem maior que o meu, com espelhos enormes cobrindo toda a parede e uma bancada comprida cheia de cosméticos. Um cheiro doce vem deles. - Aqui será nossa base de testes até chegarmos na Capital.

Pisco meio confuso. Ele sorri e indica a cadeira em frente a um dos espelhos para que eu me sente. Obedeço.

— Vamos ver, temos essa marca aqui e essa outra - ele diz uns nomes que não faço ideia da importância. Na minha casa só usamos água e sabão em pedra. - Acho que pro seu tom de pele... Bom, vamos tentar.

Horas se dissolvem sob a arte meticulosa de Falco. Minha pele protesta contra a invasão de produtos estranhos, mas antes que eu possa reclamar, Falco ergue as mãos em um aplauso triunfante. Parece que ele atingiu seu objetivo.

Olho no espelho e me deparo com um estranho. Uma versão de mim mesmo que o tempo não pode esculpir. Meus 19 anos transbordam em uma maturidade triste de 25, devido ao trabalho braçal no campo. Mas devido às mãos delicadas de Falco, as manchas do Sol forte, companheiras inseparáveis do meu dia a dia, desapareceram sob uma camada impecável de creme hidratante, base e pó de arroz. Olheiras, antes fiéis testemunhas de noites mal dormidas, agora se escondem em um esconderijo de corretivo.

— E aí? O acha? - ele me pergunta. - Tentei fazer algo totalmente diferente do seu distrito. Os antigos maquiadores tentavam fazer vocês parecerem mais suaves e coloridos.

— O que diabos tem de colorido no meu distrito? - pergunto, ainda me encarando no espelho.

— Oh, tudo, não? As árvores cheias de frutas, os campos cheios de trigo e outras verduras, legumes. Fábricas de laranjas e morangos!

Jogos Vorazes: O Sino [JIKOOK]Onde histórias criam vida. Descubra agora