Capítulo 2: (não tão) Bem-vindo de volta

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"No fundo do meu coração eu
Sei que acabou
Excluí seu número
Então eu não posso te ligar
Te chamo de meu irmão
Do jeito que costumávamos nos chamar
Quando éramos mais jovens"

Younger - Ruel

🌌✈️

Depois de 10 anos sem voltar para o Brasil, Benjamin se perguntava se era realmente uma boa ideia chegar sem avisar ninguém, afinal, a sua partida não tinha se dado lá nas melhores condições. Mas independente da resposta, havia chegado em Gramado, por volta das dezenove horas da noite, e agora refletia se o melhor era ir para um hotel ou ir em direção à pousada da família que ficava a uns quarteirões de distância do Lago Negro, lugar onde havia pedido para o táxi o deixar.

ㅡ Nada parece ter mudado por aqui, parece igual costumava me lembrar.

Ele deixou escapar um sorriso triste.

Sem saber o que fazer naquele momento, resolveu ir para perto do Lago e deixar sua mente vagar, talvez assim conseguisse uma resposta para suas perguntas inquietantes.

Deixou sua mala de rodinhas e sua mochila encostadas em uma pedra que havia por perto, e rodou os olhos pelo lugar, os cisnes flutuantes ainda estavam lá e também os barquinhos. Ele costumava se aventurar com seus amigos no parque nos dias ensolarados e embora isso tenha ocorrido na infância, parecia que sua mente havia inventado essas lembranças para deixá-lo menos solitário, aquelas pareciam ser memórias de outra pessoa.

Seus olhos, então, continuaram percorrendo o lugar até parar em duas mulheres que estavam deitadas do outro lado do lago. Havia um bolo ao lado delas, talvez estivessem comemorando o aniversário de alguma coisa.

Benjamin não costumava sentir interesse na vida alheia, mas sua atenção pareceu florescer mais do que gostaria pelas duas figuras femininas do outro lado, alguma coisa nelas era familiar. Continuou olhando, até que em algum momento uma delas se levantou puxando a outra e começaram então a arrumar as coisas que estava no chão. Por ser noite era difícil ver o rosto em seus detalhes, mas a lua iluminou suas feições quando se puseram de pé.

O seu coração disparou. A sensação firme sobre seus pés pareceu vacilar por um momento e um flash passou por sua cabeça. Aquele cabelo levemente alaranjado de Calina e os cabelos castanhos ondulados de Helena eram irreconhecíveis. Benjamin juntou as peças, era 02 de dezembro, aniversário de Helena, isso explicava o porquê delas estarem ali. No entanto, e Marcelo? Ele deveria estar comemorando junto, mas não o viu em lugar algum, será que estava tudo bem com seu irmão?
Provavelmente, sua família não deixaria seu irmão morrer sem que ele soubesse. Então o que... seus pensamentos são interrompidos pela aproximação das garotas que estavam andando para perto de onde se encontrava, decidiu que não queria ser visto, pegou suas coisas e se atirou com uma rapidez duvidosa atrás de um conjunto de árvores.

ㅡ Mas e aquele que você disse, o do curso de administração, ele não te interessa?

Calina deu um tapa na amiga.

ㅡ Credo, Helena! O cara não para de trabalhar, nunca tem tempo de sair, não quero um relacionamento que nunca parece estável.

Não que fosse da sua conta e nem que se importasse, mas que cara é esse do curso de administração? Ah, tanto faz, ele estava cansado da viagem e queria deitar as costas em algum lugar macio para descansar. Esperou até que o carro em que Calina e Helena entraram dar partida, para então sair do seu esconderijo.

ㅡ Será que ainda dá tempo de voltar?

Perguntou para um pato que estava por ali.

Ficou parado por um instante, respirou fundo e então decidiu ir para um hotel, era o melhor a se fazer.

Assim como o dia, a noite passou rápida, envolvida de um sono profundo e sonhos que envolviam patinhos motoqueiros e árvores assassinas. Benjamin acordou assustado com uma batida na porta, ainda sonolento se levantou, e sem raciocinar direito onde estava abriu a porta.

ㅡ Sim?

Uma mulher com um carrinho de limpeza sorriu.

ㅡ Desculpa, incomodar, senhor. Mas esta é a hora do serviço de quarto, posso entrar para limpar as coisas?

Ele, ainda recuperando a alma no corpo, acenou com a cabeça.

ㅡ Por favor, entre.

Benjamin olhou para o relógio, eram quase meio-dia. Caramba, ele havia dormido demais!

ㅡ Droga.

ㅡ Perdão, o que disse?

A mulher perguntou confusa.

ㅡ Não, nada.

Ele pegou uma roupa qualquer na mala, foi para o banheiro, tomou banho e se trocou, ao sair do quarto havia cheiro de lavanda no ar e tudo estava mais organizado.

Ficou parado em frente a porta com o celular na mão e pensou que cedo ou tarde teria que enfrentar o seu medo de retornar para sua família e seus amigos. Não adiantava adiar esse momento mais, ele já estava adiando esse dia por dez anos, mas agora acabou.

Benjamin havia descido em frente a pousada e seu coração estava a mil, uma sensação de calor gelado subiu pelo seu corpo e sua mão estava escorregadia de suor. Era agora ou nunca.

ㅡ Filho?

A voz doce e jovial de sua mãe o pegou desprevenido. Ela veio em sua direção com lágrimas nos olhos e o abraçou. Nada saía de sua boca, algo em sua garganta estava o sufocando de dor, então tudo que conseguiu fazer foi retribuir o abraço.

Aquele desconforto que o estava matando por anos de repente se foi. O seu cabelo preto continuava com o mesmo aroma doce, assim como aquele perfume de frutas vermelhas que ela costuma usar. Ele sentiu sua blusa molhar.

ㅡ Mãe...

Ele a afastou ainda com as mãos segurando firme seus braços.

ㅡ Me desculpa por tudo.

Uma lágrima caiu de seus olhos cinzas.

ㅡ Está tudo bem, filho. Eu entendo os motivos que o fez partir. Mas seu pai, ele não está aqui, você vai precisar conversar com ele.

Tinha um pouco de preocupação em sua voz. O rapaz de cabelos pretos apenas concordou, ele sabia que a conversa com o pai seria a mais difícil e tinha medo de qual seria sua reação em resposta ao seu retorno à cidade.

ㅡ Benjamin?

Seu coração parou ao ouvir aquela voz depois de tantos anos. Ele se virou e viu seu irmão parado na entrada com uma expressão indecifrável, parecia triste, com raiva e talvez feliz?

ㅡ Quanto tempo, Marcelo.

ㅡ O que você está fazendo aqui?

Parecia conter um pouco de rancor em suas palavras.

ㅡ Acho que é porque minha família mora aqui.

Marcelo abriu um sorriso sarcástico.

ㅡ Acho que essa deixou de ser sua família quando você foi embora.

Antes que Benjamin pudesse responder, Marcelo se retirou da sala sem dizer mais nada.

Sua mãe colocou a mão sobre os ombros do rapaz na tentativa de confortá-lo.

ㅡ Tente dar um tempo a ele, sua chegada foi inesperada, tenho certeza que não foi isso que o Marcelo quis dizer.

Benjamin sorriu triste, pois lá, no fundo sabia que Marcelo tinha razão por estar bravo. Doía pensar que talvez nunca mais conseguisse se aproximar de seu irmão e a pontada de culpa voltou a bater no seu peito.

ㅡ Dê tempo ao tempo, querido. Vai dar tudo certo.

Ele concordou, talvez assim conseguisse acreditar nas palavras de sua mãe de que ficaria tudo bem no final.

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