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         “Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas.”
— Pablo Neruda

         🌺ஓீ༵͜🩵๋๋๋࿆̐̐̐፝͜🕊🌺ஓீ༵͜ꨩ๋๋๋້࿆̐̐̐፝🩵🕊🌺ஓீ༵͜🩵🕊
                Capítulo 1

Xiao Zhan

Dias atuais

No vestíbulo vazio e escuro havia cinco malas descasadas, desgastadas e arrebentadas. Dentro de cada uma delas havia uma parte de mim. A mala roxa foi a da nossa primeira viagem a Paris, na nossa lua de mel. Nós nos hospedamos em um quartinho de hotel no qual podíamos tocar as duas paredes se abríssemos os braços. Passamos muitas noites inebriadas naquele quartinho imundo, nos apaixonando mais a cada segundo que passava.
A mala florida foi a da nossa viagem para espairecer depois que perdi o primeiro bebê. Ele me surpreendeu com uma viagem para as montanhas para me ajudar a respirar. A cidade estava abafada, e meu coração, partido. Mesmo com meu coração ainda estilhaçado, lá o ar era um pouco mais fácil de respirar.

A pequena mala preta foi a que ele arrumou quando consegui o primeiro emprego como professor. Ele também a usou para a viagem que fizemos depois que perdi o segundo bebê. Daquela vez, fomos para a Califórnia.
A verde foi a do casamento da minha prima em Nashville, quando torci o tornozelo e ele me carregou no colo pela pista de dança e nós rimos a noite toda. Por fim, mas não menos importante, a malinha azul-marinho foi a de quando ele foi passar a noite no meu quarto no dormitório da faculdade. Foi a primeira vez que fizemos amor.

Meu coração batia rápido enquanto eu estava ali apoiado na parede da sala, olhando, de longe, para a bagagem.

Quinze anos de história em cinco malas. Quinze anos de felicidade e sofrimento roubados de mim.

Ele saiu do quarto com uma bolsa de lona pendurada no ombro. Seu corpo passou rente ao meu, e ele olhou para o relógio.

Nossa, ele era lindo.
Mas isso não era novidade. He Peng sempre foi lindo. Ele era muito mais bonito que eu, e isso não tinha nada a ver com questões de baixa autoestima. Eu me achava bonito, com todas as curvas no lugar certo e alguns quilinhos extras concentrados no quadril. Só que Peng era mais bonito. Em todo casal há um que é mais bonito e, no nosso caso, esse lugar era ocupado por Peng.
Ele tinha olhos castanhos mas cristalinos que brilhavam quando ele sorria. Eu amava quando ele usava camisa branca porque seus olhos ganhavam uma tonalidade de ouro. Peng sempre mantinha o cabelo  escuro aparado bem curto, e o sorriso dele...
Foi aquele sorriso que me conquistou e fez com que eu me apaixonasse.

— Quer ajuda? — perguntei. — Com a bagagem?
— Não — respondeu ele de maneira sucinta, sem olhar para mim nem uma vez. — Eu cuido disso. — Seu corpo estava tenso e hostil. Eu odiava sua frieza, mas sabia que eu tinha feito com que ele ficasse assim. Eu o mantive distante por tanto tempo e, então, ele desistiu.

Ele estava com uma camisa polo amarela que eu odiava. Havia um rasgo embaixo do braço e uma mancha que não saía por nada nesse mundo, não importava quanto eu tentasse removê-la.
Pisquei uma vez tentando guardar aquela camisa horrenda na minha memória.
Eu sentiria saudade dela, ainda que a odiasse tanto.

Suspirei enquanto ele arrastava as malas. Quando colocou a última no carro, entrou de novo em casa e vasculhou o vestíbulo com os olhos como se estivesse se esquecendo de alguma coisa.

Queria que fosse de mim.

Ele passou as mãos pela cabeça e resmungou:

— Acho que isso é tudo. Temos que ir ao banco assinar os papéis. Depois, preciso pôr o pé na estrada e voltar para Chester, como parece que é o que você vai fazer também.
— Pode deixar — respondi.
— Tudo bem, então — retrucou ele.
Chester, Georgia, era o nosso lar. Era a cidadezinha em que fomos criados, nos apaixonamos e prometemos nos amar para sempre. Peng já vinha ficando por lá pelos últimos oito meses desde que assumiu um cargo de residente no hospital. Tinham se passado oito meses desde que ele pedira a separação. Oito meses desde que ele saiu da minha vida, e eu não tinha tido notícias dele até nossa casa de Atlanta ser vendida.
Ele saiu da minha vida e não olhou para trás até ser obrigado a fazê-lo.
Mesmo assim, eu ainda o amava, mesmo que ele não sentisse mais o mesmo.
Ninguém da família sabia que nós tínhamos nos separado — nem mesmo minha melhor amiga, Autumn, nem minha irmã, XuanLu. Eu contava tudo para eles, menos as partes que me faziam chorar à noite. Não tive coragem de contar para ninguém que eu já não tinha mais marido havia meses. Se contasse isso para elas, então eu seria um fracasso, e tudo que eu queria era que, de algum modo, He Peng voltasse a me amar.

Shame my Shame Onde histórias criam vida. Descubra agora