Introdução ao Oculto

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VULCANO

Quando se está no topo de um pedestal, a vista de baixo é turva como águas inquietas.

Você não vê exatamente o que está embaixo, mas sente que algo espreita para a superfície. Talvez sejam inimigos tentando te derrubar, talvez sejam aliados tentando te equilibrar. E, verdade seja dita, em cima de um pedestal a chance de sofrer uma queda é enorme. A chance de ralar o joelho ou quebrar o pescoço são iguais. Mesma probabilidade de um para o outro. Temos o controle de nos colocar naquele espaço, mas uma vez que está lá em cima já não controla mais nada. Não se controla nada quando se faz um esforço monumental para não cair. O poder tem um sistema delicado de hierarquia e nós faríamos, fizemos, fazemos coisas absurdas para nos manter aqui em cima.

Mas cá entre nós, colega elemental, se soubesse que iria cair, você se jogaria? Mesmo sabendo que poderia acabar com um pequeno machucado ao mesmo tempo em que poderia deixar de existir nessa vida? Pense um pouco nisso, reflita sobre a relevância de perder a vida para ter cinco minutos de glória. Pensou? E aí, a morte eminente vale a pena para ser imortalizado?

Bom...

Era fácil para nós cinco estarmos nos pedestais que aquela maldita academia nos colocou. Nos acostumamos a estar lá, de pé, com todos nos olhando, admirando, invejando, odiando. Querendo nos destruir. Nos deixamos ser levados pela obscuridade de ser notável, visível, imortalizado. Passamos a querer isso, depender do poder. O brilhantismo nos consumiu aos poucos e nos transformou nos monstros que assombram a Malasartes Academia, em seus corredores acarpetados cor de sangue, com gesso empoeirado e encardido.

Se pudéssemos, e tivéssemos certeza de que nossos fantasmas não nos seguiria, voltaríamos atrás? Deixaríamos a obsessão de lado e dirigiríamos para longe naquele velho Opala que mal cabia todos juntos? Eu ainda estaria ao volante? Controlando a música terrível que meu melhor e mais próximo amigo gostava de escutar? Ainda pararíamos no Boteco da Graça e brindaríamos com copinhos de cachaça e mel antes de enfrentar mais um semestre na Academia? Eu acenderia um cigarro contra a vontade de todos eles e riria quando a discussão comigo começasse? Estudaríamos, riríamos, venceríamos de novo e de novo qualquer desafio que jogassem no nosso colo até que estivéssemos exauridos e mentalmente instáveis a ponto de não lembrar quando a vida foi meramente tolerável. O mundo se despediria de nós, seu peso finalmente deixando nosso corpo quando por fim a morte nos abraçasse porque seria impossível continuar sobrevivendo naquela vida miserável que nos sujeitamos. Ou... ou refaríamos nossos passos para bem longe, de volta para onde viemos? O mais longe possível daquelas montanhas ariscas e inanimadas, deterioradas pela ação do tempo e do ódio, do querer inexplicável, que arrasava e levava tudo consigo em sua grande espiral momentânea de glória? Melhor ainda, voltaríamos à Academia na calada da madrugada, quando todos dormiam, e queimaríamos aquela porra de lugar até não restar uma única cinza que um de nós pudesse pedir que fosse soprado para longe?

Talvez a maldição acabasse e eu parasse de ouvir as chamas me implorando para destruir tudo, da queda das Lágrimas até o jardim de inverno copulado nas costas do Castelo de Adeona.

E tudo por culpa dela.

Adeona, a Andarilha.

Essa parte é interessante.

Diziam os Antigos, anciões soturnos de pele murcha e humor complexo demais para se explicar em uma frase ou menos, que Adeona — sobrenome desconhecido, embora fora descoberto que suas raízes vinham diretamente da Roma Antiga — teria magicamente aparecido naquele exato lugar, e por lá ficado até a própria morte. Nenhum livro ou diário daquela que foi a mulher que mudou a vida de todos nós, falava com exatidão o que a havia trazido até aquele ponto do mundo, dentre tantos outros. O que era conhecimento público, e que já estávamos carecas de saber, é que sua presença misteriosa mudou a ordem natural das coisas. Talvez sua ascendência romana pudesse ter revelado vários dos segredos escondidos pelas montanhas Clotilda e Eduarda, as gigantes guardiãs da verdade mortal no exato epicentro da divisa São Paulo-Rio de Janeiro-Minas Gerais.

Aóratos - A Última MesaOnde histórias criam vida. Descubra agora