Cadeia Alimentar Deonence e Outros Jogos de Poder

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GUERREIRO

Eu sempre idolatrei detetives geniais que não sabiam lidar com as emoções da mocinha secretária do departamento, mas que resolviam casos de assassinato como as palavras-cruzadas da semana no jornal. Eles eram objetivos, sérios, não brincavam em serviço mas às vezes faziam piada com o parceiro que estava na força há seis meses e por ser desastrado só fazia merda.

Adorava ainda mais se o caso da história fosse sobre sociedades secretas porque era outra coisa que eu idolatrava na literatura.

Sociedades secretas eram um máximo!

Um grupo de desajustados, de gênios, de idiotas, não importava... contanto que eles se reunissem em segredo pela madrugada e estivessem planejando usar algum poder antigo para dominar o mundo. O detetive sombrio sempre dava um jeito de acabar com os planos deles mas, porra... era eletrizante ver o desenrolar de segredos sombrios e paixões fervorosas até culminar na batalha final que obrigava o líder da sociedade a escolher entre seus planos e sua vida, porque o preço para dominar o mundo é alto demais. É ótimo quando eles desistem e preferem manter o que restou de dignidade mas sempre considerei ainda melhor aqueles que não desistem de suas convicções e ao invés de se render fazem a Última Jogada antes de lançarem a si mesmos para a morte.

Em algum momento séculos antes houve uma epidemia de livros de mistério sobre sociedades secretas e foram produzidos mais de mil livros dentro da temática no espaço-tempo de sessenta anos. Dois séculos depois a temática teria entrado em declínio, mas pelo menos cem livros daquela epidemia foram dignos de serem adaptados para o mercado audiovisual e se tornaram filmes, séries e animações que nem sempre funcionaram mas que para um bom consumidor de literatura sempre seriam lembrados.

O fato é que sociedades secretas e histórias de mistério só funcionavam se fossem um conjunto de palavras impressas em tipografia Cobalt LT Std sobre papel off-white 70 g/m. Fora do campo literário aquele nível de drama tendia a me entediar.

Como eles.

Eles eram tão entediantes.

Foram necessários apenas cinco minutos de discussão para me fazerem sentir falta de casa.

O monitor do prédio-dormitório Espelho me disse — em um discurso nem de longe acolhedor — que eu precisava fazer amigos na Academia para conseguir lidar com a distância do resto do mundo mas eu preferia voltar para a capital de São Paulo e escutar a puxação de saco do meu pai, as críticas da minha mãe e o chororô da minha irmã mais nova que gostava mais da própria iTela do que de mim, ao invés de lidar com aqueles quatro estúpidos epikos em minha frente.

E aquilo não era pouco considerando que jogaram suas coisas de repente sobre minha mesa enquanto o garoto Heleno me informava que precisava falar sobre um assunto do interesse de todos e que não podia esperar mais um segundo. Eu não gostava de ser interrompido quando estava comendo, mas minha nota de repúdio se perdeu no samba de vozes falando umas por cima das outras uma vez que invadiram meu espaço.

— Não dou a mínima para sua mansão na colina do raio que o parta, Heleno! Se for apenas uma vaga, ela deveria ser minha — a garota Esen bateu com a mão na mesa em um estampido seco, tentando manter o tom de voz baixo.

Folheei o livro que estava lendo, ignorando completamente aquela demonstração fútil de nervosismo e registrando a história como pequenas cenas que aceleravam e diminuíam em minha mente conforme as linhas viravam parágrafos. Eu já estava acostumado a fazer aquela atividade secundária para conseguir prestar atenção em algo importante — um problema que havia começado na infância com a dificuldade que eu tinha em prestar atenção na professora — mas eu não queria prestar atenção neles e estava cogitando largar o livro e divagar completamente para o que quer que minha mente quisesse, sem fingir que me importava com com quem deveria ou não ficar com a tal vaga na Ptósi.

Aóratos - A Última MesaOnde histórias criam vida. Descubra agora