A Revelação - Parte I

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Subúrbio de El Paso, Texas – 06:18 hrs

Quon dirigiu até o subúrbio e deixou os dois na frente da casa de Yan: um apartamento verde alugado. Após se despedir com apenas um aceno discreto, o moreno seguiu com o garoto até a entrada do prédio onde foi atendido pela proprietária rabugenta.

— Ei, "olho puxado"!

Sem trocar nenhuma palavra, ele deixou duas notas na bancada da mulher cuja aparência era mais velha do que a idade que tinha. Ela pegou o dinheiro e soltou um sorriso malicioso.

— Até que enfim! Pelo visto achou alguém pra comer o seu cu.

Yan revirou os olhos e seguiu em passos duros para o seu quarto no primeiro andar. O seu rosto levemente avermelhado e o seu olhar assassino escondiam uma série de xingamentos mentais direcionados à velha, xingamentos estes que Miguel, observando atentamente a situação, perguntava se eram tão piores quanto. Já havia visto e ouvido de tudo, mesmo na casa dos seus responsáveis, por isso pouco daquilo o surpreendia.

Ao chegar nas escadas, o menino sentiu tontura. Yan somente notou sua ausência quando já estava destrancando a porta.

— Vamos, Miguel!

— T-tô com fome...

Ele passou a mão na barriga. O moreno suspirou, realmente o garoto não comeu nada a noite toda, ele nem fazia ideia se Miguel havia jantado antes de fugir de onde quer que ele morava. Yan retornou às escadas, o segurou nos braços e o colocou em seu colo, e ali, pela primeira vez, o garoto se sentiu acolhido. Entraram rapidamente.

— Deve ter algum pedaço de pizza aqui... Você gosta?

Miguel não se importava, desde que fosse comestível. O moreno o colocou na cadeira da cozinha e foi catar alguma coisa nos armários. O cafofo de Yan era pequeno e simples: tinha uma sala-quarto logo de cara, uma cozinha-lavanderia à esquerda e um banheiro no canto superior direito. Ele pegou um pedaço de pizza, esquentou no microondas por alguns segundos e colocou na frente do garoto, que comeu sem nem esperar o suco.

Yan abriu a geladeira e tirou uma linda jarra de suco de maçã. Quando colocou no copo e se virou, arregalou os olhos ao ver o prato vazio à sua frente. Miguel levantou o objeto, pedindo mais.

— É, você estava com fome... — ele deixou o copo na mesa e foi buscar outra coisa nos armários. — Vamos de algo mais saudável agora, ok?

Miguel não disse uma palavra, permaneceu na mesma posição. O rapaz tirou alguns pães de forma do armário, salada de maionese e frango desfiado da geladeira, em seguida começou a montar um sanduíche natural. Cortou fora as cascas do pão, esquentou um pouco a proteína branca e deixou o cheiro gostoso exalar, fazendo a barriguinha do garoto roncar mais uma vez. Miguel, com os olhinhos brilhando, ficou observando Yan atuando até finalizar com uma azeitona sem caroço presa a um palitinho. O menino ficou olhando aquele prato atentamente.

— Não gosto de azeitona.

— Você não sabe o que está perdendo...

O moreno puxou o palitinho e o levou à boca, comendo a azeitona. Miguel tornou a devorar o prato, dessa vez mastigando pausadamente e intercalando as mordidas aos goles no delicioso suco de maçã. O adulto o deixou se alimentando e aproveitou para também comer alguma coisa. Buscou o liquidificador e os ingredientes para fazer um shake matinal de leite e aveia, como adorava. Miguel ouviu o barulho dos eletrodomésticos sendo utilizados, mas não se importou em conferir, apenas prestou atenção em sua comida até estar quase próximo de finalizá-la. Yan se sentou de frente para ele, contudo não lhe deu atenção; colocou aqueles headphones chamativos na cabeça e passou a mexer no celular e a tomar um gole do seu shake de vez em quando. O garoto o ficou observando, ficou buscando alguma coisa nele que parecesse consigo. Exceto em alguns traços da aparência, eles eram completamente diferentes; Miguel se sentia carente, sozinho, e Yan era um espírito livre que adorava a solitude, ou ao menos era isso que aparentava; Yan não se importava com o que falavam da sua pessoa, Miguel sim; Yan levava uma vida que Miguel não imaginava para o seu "pai ideal", Yan não tinha e nem queria ter experiência nenhuma com crianças. Ambos viviam em polos opostos, no entanto o adulto havia lhe tratado bem à medida do possível até agora, e tudo o que ele havia feito até então já era melhor que toda a sua vida ao lado dos seus responsáveis vazios.

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