2ª Audiência

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Subúrbio de El Paso, Texas – 17:22 hrs

Os dias se passaram, lentos como as águas do rio calmo de El Paso. Yan Lee passou todo aquele dia, desde às 06 horas da manhã às 05 horas da tarde, buscando emprego pelos arredores da cidade. Há dias, também, não trabalhava como garoto de programa. As contas estavam se acumulando e, apesar de Maxwell sempre estar ligando para saber se ele precisava de algo, o moreno ocultava toda sua situação.

Todavia, eram nesses dias de cão que os anjos saíam para testar os seus; e o diabo, para tentá-los.

— Bolinho de arroz?

Yan congelou ao ouvir aquela voz. Estava voltando para casa, cansado e com uma aparência vencida, quando virou e se deparou com aquele lindo porsche na esquina de sua casa. Ele correu em direção ao carro e identificou o dono daquela voz potente que conhecia bem...

— Quon! — ele pensou em abraçá-lo, mas conteve seus instintos. O mais velho não percebeu, estava feliz demais ao vê-lo.

— Yan, meu bolinho! Vem, entra no carro. Você tá cansado, vou te levar pra relaxar um pouco.

— Eu... — estava tentado a aceitar, mas sabia para onde isso iria levá-lo. Uma vez em abstinência, não podia arriscar retornar aos velhos hábitos, ou perderia tudo o que lhe era valioso naquele momento. — Quon, eu queria muito, mas... eu não faço mais... não faço mais programa.

O homem não reagiu. Aparentemente custou a acreditar, pois um largo sorriso seguido de uma risada ecoaram em sequência.

— Deixa de brincadeira, Yan!

— É verdade. B-bom... é... é isso — ele suspirou. Quon poderia pagar todas as suas dívidas atuais, era uma tentação que ia para além do sexo, mas ele buscou se conter. — Eu estou procurando emprego. Você conhece algum lugar que possa me aceitar...? Eu não tenho muitas qualificações, mas eu faço um pouco de tudo.

Pelos movimentos que suas sobrancelhas fizeram, o adulto parecia confuso com aquelas palavras.

— Isso é sério?

— É...

Foi o suficiente para levar a voz do mais velho com os seus pensamentos. Quon virou o rosto para o volante, seu olhar perdido sinalizava que aquele quebra-cabeça ainda não fazia sentido para ele. Yan percebeu sua inquietude, por isso continuou.

— Estou cheio de problemas, Quon. Preciso mudar, a vida está me cobrando. Você pode me ajudar com alguma coisa...?

O homem manteve o silêncio. Sua mente tentava digerir as mudanças repentinas de Yan, e sua razão não aceitava o fato de que ele estava claramente lhe escondendo alguma coisa. De qualquer forma, o programa era o único elo que unia os dois; cortar aquele laço era pôr um fim na conexão que construíram, pois um homem com os problemas que ele carregava não tinha direito algum a amigos de fora da tríade. Talvez Yan não estivesse pensando nisso quando tomou aquela decisão... talvez seus motivos fossem maiores que aquele pequeno sacrifício.

Talvez ele não fosse, assim, tão vazio de objetivos...

— Sabe... Quando a gente se conheceu, a primeira coisa que eu pensei foi que, nessa idade e fazendo programa, você não tinha mais expectativa nenhuma de melhorar de vida. Então... quando você começou a contar os seus desejos, eu percebi que tinha me enganado. Você tem sonhos. E... se eu pudesse chutar algum palpite agora, diria que eles estão começando a se realizar, não é?

Yan não respondeu. Estava surpreso, não esperava que Quon fosse perceber segredos tão particulares nas minúcias das suas expressões. Para quem gostava de ser invisível, não esperava que um de seus clientes fosse lê-lo de forma tão assertiva.

Todas as Coisas VoltamOnde histórias criam vida. Descubra agora