Última audiência, Tribunal de Justiça em El Paso, Texas (6 meses depois) – 15:00 hrs
Após 6 longos meses difíceis, Yan Lee novamente foi chamado para pôr os pés no solo de um tribunal. Não teve o direito de usar suas roupas, foi exigido o típico macacão alaranjado como forma de manter o seu estigma, os pulsos foram cingidos por algemas de metal, seus ombros fortes provocavam nos oficiais algum sinal de alerta. Silencioso, seguiu para o banco dos réus; deparou-se com uma juíza, o seu caso não estava mais nas mãos dos mesmos homens. Uma martelada, um barulho, um destino. Yan fechou os olhos e esperou pelas suas palavras.
— Está livre, senhor Park. Você está com uma criança em seu nome, não é? Espero não vê-lo aqui novamente.
Ele abriu os olhos novamente, mas não acreditou no que ouviu.
Para uma pessoa que nunca havia pisado em um complexo prisional, seis meses eram como seis anos. Os meses frios e solitários aturdiram as suas capacidades sensoriais: o escuro e o claro vinham das luzes artificiais das celas minúsculas, o frio era o gelado das barras de ferro, o quente eram os corpos dos seus prisioneiros. Ainda assim, o seu corpo se adaptou como é de praxe entre a espécie humana. Respirava, comia, dormia, vivia para existir, suportava dia após dia porque sempre que repousava a cabeça no colchão rígido da prisão, podia sonhar — e, isso, não havia oficial de Justiça que o proibisse de fazer. Os sonhos que tinha eram o seu combustível para suportar tamanha provação.
Conversou com Maxwell há uns dois dias, sabia que seria solto — contudo, ouvir pessoalmente surtiu o mesmo efeito da completa ignorância. Entorpecido, retornou ao complexo prisional para esvaziar sua cela e trocar suas roupas. Não falou com ninguém, não olhou para ninguém. Reagiu somente quando pôs o primeiro pé para fora daquele inferno e sentiu o calor do sol tocar a sua pele. Lágrimas inundaram os seus olhos, mas se recusaram a descer por aqueles motivos ínfimos. Não... Somente resvalaram no olhar de duas figuras, ao longe — do outro lado da estrada extensa, cinza e vazia —, aguardando por sua liberdade.
Sem pensar duas vezes, um garotinho lindo, de pernas magrinhas, joelhos despidos e sapatos com amortecedores, correu vigorosamente em direção ao adulto. Yan lançou os pesos da bolsa-carteiro no chão, correu em resposta, as lágrimas cintilavam o brilho ameno do sol ao deslizar pelo vento. Se preocupou em tê-lo em seus braços; se preocupou, também, em protegê-lo de qualquer mal. Apesar do local ermo não sinalizar a presença de veículo algum, Yan o agarrou em seus braços e o levou para o outro lado da estrada, longe da penitenciária, onde o envolveu em todo o seu amor e sofrimento. A dualidade desses sentimentos brigavam para tomar o controle da alma atormentada do homem, que chorava copiosamente enquanto acariciava os cabelos pretos do garotinho, como se seu tato cético necessitasse de uma evidência de que Yong-gi nunca mais se afastaria de seus braços.
Ali, permaneceram em silêncio. Tudo o que podia ser ouvido era o som turvo dos murmúrios chorosos de um homem que estava pondo para fora todo o seu sentimento ruim, todo o sentimento de uma vida triste e amarga, sombria na penumbra da marginalização, para que pudesse preencher-se com o amor que aquela nova vida o traria.
E quanto ao Yong-gi... havia deixado Miguel para trás — com todas as suas cicatrizes, seus medos, suas lágrimas, suas dores e suas raivas.
A dor também é efêmera, e os sonhos precisam deixar sua natureza platônica para se tornar realidade.
Os sonhos que eles sonharam na calada de uma noite fria.
x ----- x
Casa de Maxwell em El Paso, Texas (2 semanas depois) – 19:22 hrs
Era a última noite antes da viagem para Houston.
A lua minguante sorria sobre um céu de estrelas cintilantes, envergadas do manto negro, enquanto era observada pelo lindo garotinho de cabelos escuros que balançava suas pernas ao admirá-la da janela. Sentado sobre o peitoril da grande janela da sala de estar, as luzes dos lustres iluminavam tudo o que havia dentro do grande casarão de Maxwell Miller, enquanto o seu jardim e a floresta que o cercava permaneciam em sua total escuridão. Yong-gi, de olhos brilhantes, se afastou ao ouvir a voz do seu pai o chamando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Todas as Coisas Voltam
RomanceMiguel é um menino criado em um lar fragilizado que sonha em conhecer seu verdadeiro pai. Yan Lee é um garoto de programa solitário que busca o amor verdadeiro nos olhos dos clientes com quem se relaciona. Ambos almejam mudar suas vidas amargas de u...