Uma Noite

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Laboratório em El Paso, Texas – 10:36 hrs

— Trinta dias??

Miguel estava cutucando o vidro do aquário retangular que estava bem no centro da sala. Ele parou imediatamente o que estava fazendo, para o alívio dos peixinhos agitados, e virou o rosto na direção do adulto. Yan estava próximo da recepção, com algumas pastas e documentos debaixo do braço, e sua fiel bolsa-carteiro do outro lado.

— Sim, senhor. O resultado ficará pronto em trinta dias.

Ele suspirou.

— Não tem como acelerar? Eu preciso do exame logo.

A mulher arqueou a sobrancelha. Yan esperava tudo; esperava uma serra de unha brotar do nada para que ela usasse enquanto jogava aquele olhar de desprezo em sua direção.

— Nós não pedimos os documentos do garoto.

— Eu já disse que perdi, eu só tenho a cópia da identificação.

— Nós deixamos esse detalhe passar, fique agradecido por isso. O resultado sai em trinta dias.

Com aquela resposta, o rapaz saiu sem dizer mais nada. Segurou na mão do menino até escaparem completamente do campo de visão daquela mulher. Quando viraram a esquina, ele o soltou com uma certa pressa.

— Merda...

— O que foi?

— Sabe aquela pergunta que você tanto me faz? Só vou conseguir responder no final do mês.

— Não tem problema, eu espero.

Com aquela resposta, Yan parou de caminhar e virou o rosto para fitar aqueles olhinhos pretos odiosamente parecidos com os dele. Miguel fez o mesmo, de ombros relaxados e mãos nos bolsos.

— Você tá brincando...? Você acha que é tranquilo te deixar na minha casa por todo esse tempo? Você ao menos tem ideia de que eu posso ser preso?

— Tem muita gente errada em El Paso. Eu tenho nove anos. Desde que eu me lembro, vivi com gente errada que não foi presa até hoje. Eu acho difícil alguma coisa dar errado.

— Hunf... não subestime o destino — murmurou o rapaz, levando uma das mãos à cintura. Lentamente tornou a caminhar e foi acompanhado pelo garoto. — Abrigar menor de idade sem avisar à polícia... falsificar documentos...

— Olha, pelo pouco que eu entendo dessas coisas, é melhor não ficar falando sobre isso na rua.

Yan deu ombros.

— Tem razão. Você é bem esperto pra sua idade.

— Eu observo tudo.

— Eu vi... — ele levou as mãos aos bolsos. — Então... conviveu com gente errada, não foi? Me conta sua vida. Eu não sei muito sobre você.

O menino sorriu.

— Bom, eu moro num apartamento bem apertado e mofado.

— Que nem o meu.

— O seu é muito melhor! O meu fede a cigarro e bebida. Minha mãe não faz nada pra mudar isso. Ela tem um namorado que eu não chamo de "pai" de jeito nenhum. Ele é nojento.

— Hum...

Yan murmurou, porém aquelas palavras atordoaram seus pensamentos. Miguel era só uma criança. Uma criança que já entendia o que era omissão, relacionamento abusivo, certo e errado. Ele viu e viveu coisas terríveis, suas palavras embrulhavam o estômago, e por isso, só por isso, os perigos da vida nas ruas não o perturbavam. Como manchar de vermelho uma tela enegrecida?

Todas as Coisas VoltamOnde histórias criam vida. Descubra agora