Possibilidade

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Casa de Maxwell em El Paso, Texas (retorno ao presente) – 13:25 hrs

Yan não considerava Maxwell um amigo, mas havia uma certa cumplicidade entre eles.

Horário de almoço. Max cozinhou alguns pratos típicos de um jantar norte-americano (sim, jantar, já que eles culturalmente mal almoçavam) e fez um kimchi somente para impressionar o moreno. Ele aprendeu muitos quitutes rápidos da culinária coreana com Jin, e havia tornado a fazê-los depois que conheceu Yan.

— Quem fez tudo isso? Foi a tia Lu? — disse, se referindo à empregada.

— Fui eu, ora! Eu cozinho, sou um excelente partido.

Yan revirou os olhos e sorriu fraco.

— Você é um exibido, isso sim — ele começou a se servir. O primeiro prato que pegou foi o kimchi. — Vamos ver se você cozinha bem, mas duvido que ultrapasse a halmeoni.

— Jamais vou ultrapassar a sua mãe.

— Avó — ele murmurou, levando os hashis à boca.

— Isso! Tô meio enferrujado — ele se virou para falar com o rapaz, mas acabou se deparando com o garotinho que o acompanhava, quietinho na cadeira mais distante, observando toda aquela interação como se fosse um fantasma. — Er... o menino ali não vai comer?

Yan virou os olhos para Miguel. Ele estava tão bonitinho, vestido com as roupas que haviam comprado uns três dias atrás. Usava uma calça larga verde musgo, tênis branco com fitinhas roxas, camisa branca de mangas longas e uma preta de mangas curtas por cima com estampa de Star Wars. Yan apoiou o braço na mesa para observá-lo, um sorriso muito fraco surgiu nos seus lábios quando se lembrou do chapéu extravagante, dos óculos e do echarpe engraçado que ele usou no dia das compras.

— Não quer comer nada?

Miguel silenciosamente fez um movimento positivo com a cabeça. Yan lhe deu um prato e algumas colheres.

— Pode pegar o que quiser, desde que coma tudo. Detesto desperdício.

O menino assentiu e passou a se servir. Max ficou observando aquela interação.

— Ele parece contigo.

Fora um comentário inocente, mas suficiente para fazer o moreno o encarar rapidamente. Max fez um olhar contrariado e engoliu seco.

— D-digo... não quero dizer que todos os asiáticos são iguais, não é isso. Só... não sei, ele tem os seus olhos. Sabe, os seus olhos parecem paralelogramos e os dele também.

Yan pensou sobre aquele detalhe. Ele olhou novamente para Miguel, que era esperto demais e sabia do que eles estavam falando, mas mesmo assim escolheu ignorá-los completamente e comer. O adulto pensou por alguns instantes, em seguida novamente deu atenção ao Max.

— Depois eu quero falar contigo.

— Iiih, vai ser difícil com o menino por perto.

— Não é besteira... preciso falar sério.

Maxwell arqueou a sobrancelha.

— Ah... tá certo — ele encarou o garoto. — Er... Miguel, quer comer na sala de jogos? Pode sujar lá, só não toque nas prateleiras e limpe as mãos pra tocar nos consoles.

— Tem uma sala de jogos aqui??

Max sorriu.

— Claro! Eu adoro um "play cinco" nas horas vagas.

— Uau!!

— Mas vai comer antes de jogar — ressaltou Yan. Os dois olharam para ele de súbito. — O que foi?

— Você parece o irmão mais velho dele.

— Ou pai — Miguel provocou, com um sorriso muito discreto e malicioso no rosto.

Yan revirou os olhos e voltou a comer. Em silêncio, terminaram o almoço em menos de 1 hora. Miguel descansou antes de ir jogar na sala de jogos e os adultos permaneceram na sala de jantar.

Yan cutucava os restinhos de kimchi no bow distraidamente.

— Então... o que queria falar comigo?

Maxwell puxou uma cadeira e se sentou mais perto dele. Nesse momento, o moreno olhou em seus olhos.

— Realmente tem uma... pequena... possibilidade de esse garoto ser o meu filho.

Mais silêncio. Maxwell custou a digerir aquela informação, assim como na primeira revelação que teve do rapaz. Yan moveu as sobrancelhas, esperando uma resposta, porém só obteve um olhar confuso do americano.

— Você transou com uma mulher...?

Ele revirou os olhos.

— Você só tem isso pra me dizer?

— D-desculpa, é que...

— Você se desculpa demais... — ele suspirou e inclinou para trás, relaxando as costas no apoio da cadeira. — Sim, eu transei. Foi quando eu tive certeza que não era a minha praia. Logo na primeira foda...

— Putz... bem que eu achei vocês parecidos. Eu convivi com asiáticos, né? Eu consigo ver as semelhanças e diferenças entre vocês.

— Não precisa vir com esse discurso, até eu me confundo às vezes — murmurou o rapaz, olhando vagamente para qualquer ponto que não fosse os olhos verdes escuros dele. — Bom, ele grudou em mim e não quer ir embora enquanto eu não fizer o teste de DNA — suspirou. — Eu não queria mexer com o meu passado... Tenho medo do que vou descobrir.

— Se você for o pai... o que você vai fazer?

— Tá aí uma boa pergunta... Não faço ideia. Eu não quero cuidar de criança, Max. Gosto da minha vida independente. Esse moleque vai estragar tudo.

Maxwell deu ombros.

— É, mas... ele é seu filho. Se for comprovado, vai ser injusto abandonar o garoto. Ele parece muito dependente de alguém.

O moreno não tinha o que falar sobre aquilo. Se era moral ou não, ele já não levava uma vida socialmente muito agradável. O que os outros achavam nunca o importou de fato, mas ser uma pessoa genuinamente ruim nunca foi a sua intenção.

Seu olhar apático tendeu ao tormento. Levou as mãos aos cabelos e puxou sua franja suavemente em um gesto pacificador, completamente transtornado.

— Puta merda...

— Fica calmo. Se você é o pai, quem é a mãe dele? Onde ela tá, que não viu o filho sumir?

— Eu sei lá, não vi ninguém procurando por ele. Não vi nada, nenhum cartaz, nenhuma foto de "procura-se". Pelo visto, ela não liga muito.

— Você ainda pode consertar isso. Leva o menino à delegacia e faz o teste pela justiça. Se for comprovada a paternidade e a mãe realmente for uma desinteressada, você vai poder ficar com a guarda dele.

— Mas eu não quero essa porra, Max. Eu não quero a guarda desse menino.

— Ah... então... — ele deu ombros e inclinou para trás, levando um palitinho de dente à boca. — Nesse caso, ainda sim, você vai precisar avisar às autoridades ou vai ser preso por manter um garoto menor de idade na sua casa.

Ele suspirou, precisava tomar uma decisão. Ao mesmo tempo que queria se livrar daquela responsabilidade, vinha em sua mente a imagem do menino implorando para não voltar para a mãe, de olhos tão inchados de tanto chorar, contendo-se para fingir alguma força. Yan tinha pena dele.

— Eu vou fazer esse teste. Depois do resultado dele, eu... eu vejo o que eu faço.

— Boa sorte. Me deixe por dentro das coisas, tudo bem? — ele levou uma mão ao rosto do moreno e acariciou. — Porque, agora, eu quero estar dentro de você.

Yan arqueou a sobrancelha.

— Foi o melhor que você conseguiu pensar?

— Vamos, me dê uma trégua! Eu sei que você gosta das minhas tiradas queima-filme.

O moreno gargalhou. Um sorriso suave surgiu em seu rosto; um sorriso que aos poucos foi se acentuando.

Todas as Coisas VoltamOnde histórias criam vida. Descubra agora